Por, Adélio Torres Neiva (Missionário do Espírito Santo) – Publicado em “Barcelos Revista”
(*) Este estudo foi provocado pela celebração das Comemorações do Cinquentenário da Fundação do Seminário das Missões na Casa da Silva. As circunstâncias prementes de tempo que o condicionaram não permitiram um aprofundamento mais apurado do tema. Trata-se apenas de uma primeira abordagem, que naturalmente fica aberta a uma investigação posterior.
“A quinta da Silva que he sollar e cabeça deste Morgado... tem dentro em si hûa capella da invocassão de S. Bento e as cazas principais que constão de sinco sallas e hûa cozinha e hûas cazas de mossos que tem tres sallas e seu terreiro chamado Patio que está de muro novo e hum Pombal e duas fontes continuas, hûa que nasce dentro da dita quinta e outra que nasce da parte de fora em hûa bouca de que he direito senhorio o Deam de Braga da qual dita fonte vem agoa ter a hum tanque que esta junto das ditas cazas da parte de fora digo da parte do sul; muita parte desta quinta está de deveza de carvalhos e castanhos e bravios, prados, pumares, olivais e latas com seus corredores hortas e arvores de espinhos.” (Tombo da Casa e Morgado da Silva. I, fl. 23)
“Junto às pitorescas margens do rio Minho, entre Valença e Vila Nova de Cerveira, na freguesia de S. Julião da Silva, foi fundada uma forte torre, ninho de ricos-homens, vindos da fronteira da Galiza, para ali fazerem seu assento. Nela, na arrogante torre da Silva, entrincheiraram-se eles e à linhagem dos seus senhores deu ela o nome. O seu mais remoto ascendente é D. Goterre Alderete da Silva, mencionado como progenitor da estirpe, no Livro velho das Linhagens e no Nobiliário do Conde D. Pedro”. (Anselmo Braamcamp Freire, "Brasões da Sala de Sintra", II, pág. 3)
A “Casa da Silva”, situada na antiga freguesia de S, Julião do Calendário, do termo de Barcelos, hoje freguesia da Silva, é um ponto de referência obrigatório para as gentes do vale do Tamel. As suas propriedades e os seus direitos estendiam-se por uma vasta faixa da margem direita do Cávado, que, começando por terras de Prado, se alongava quase até ao mar. Mesmo se, desde 1937, o Seminário das Missões, ali fundado, veio mudar o rumo da casa e dar um novo futuro ao seu passado, a memória das pessoas não conseguiu desligar-se de todo, do vínculo e da recordação do velho solar.
Na obra monumental de D. Luis de Salazar y Castro, que tem por título "História Genealógica de Ia Casa de Silva" 1, dividida em dois grossos volumes que perfazem um total de 1521 páginas, há apenas duas referências muito breves à “quinta inmediata à Ia villa de Barcelos, que es Ia que posseió Arias Gomes da Silva Viejo” 2, dizendo-se a seguir que tinha o nome de Silva por ter sido fundada pelos senhores desta Casa. E Braamcamp Freire, nas 182 páginas que dedica ao Brasão dos Silvas da sala de Sintra, nunca fez menção desta quinta.
É certo que, com a fundação do Morgado da Quinta da Silva, esta foi adquirindo uma importância crescente, creio bem mais por mérito dos Alcoforados que por crédito da quinta dos Silvas. De qualquer modo, a Casa da Silva tem um horizonte muito mais vasto que o perímetro e a história deste velho solar.
A Casa da Silva conta-se, de facto, entre as mais ilustres casas da nobreza de Espanha e, Portugal. De geração em geração, mercê de casamentos e alianças, o seu tronco foi-se ramificando por Portugal, Castela, Leão, Aragão, França, Nápoles, Sicília até às índias, chegando a ter 16 casas tituladas.
As primeiras informações a ela referentes, colhidas nos mais antigos livros portugueses de linhagens, são-nos fornecidas pelo Livro do Deão, que remonta aos anos de 1337-13403. Anterior a este livro, há apenas o Livro Velho de Linhagens, redigido provavelmente no princípio do reinado de D. Dinis, pelos anos 1270-1280, que se limita a enumerar cinco famílias nobres, todas da parte meridional de Entre-Douro e Minho, da região de Paiva e de Bragança. O Livro do Deão, que dá a impressão de querer completar o quadro insuficiente do Livro Velho, enumera, além dessas cinco, mais vinte e duas famílias, alargando o leque por todo o resto do Minho, Trás-os-Montes e Terra de Santa Maria, entre elas aparece a Casa da Silva.
A Casa da Silva voltará a ser elencada, agora mais desenvolvidamente, no Nobiliário do Conde D. Pedro, do terceiro quartel do século XIV e que apresenta já cinquenta e um títulos, agora alargados à Beira, Estremadura e Ribatejo. 4
Se é verdade que o Livro Velho só fala dos Sousões, Braganções, senhores da Maia, de Baião e de Riba Douro, José Matoso não hesita em afirmar que ”se encontram outras famílias que atingem o mesmo nível, mas que parecem ser de origem mais recente ou procederem de ascendência galega; entre as primeiras contam-se, além de outras a dos Silvas” 5. O problema é que, segundo o mesmo autor, as cinco famílias citadas no Livro Velho, podem já documentar-se desde o fim do século X ou princípio do XI, enquanto que, para as outras, só temos documentos a partir do fim do século XI.
Entre os títulos que a Casa da Silva veio a ter, D. Luis de Salazar v Castro faz o seguinte elenco:
na linha de Chamusca, três títulos de Duque (os de Pastrana, Estremera e Francavida), dois de Príncipe (Melito e Evoli), dois de Marquês (Argecilha e Almenara) e dois de Conde (Galve e Triviana). O quarto duque de Pastrana D. Rodrigo tinha dez títulos das Casas do Infantado e Lerma;
na linha de Alenquer, um título de Duque (Hijar), um de Marquês (Alenquer), cinco de Conde (Salinas, Rivedeu, Belchior, Guimera e Volfogona), oito de Visconde (Añes, Tatrou, S. Martin de Subirarias, Illa, Alquer Forador, Alia e Evol);
na linha dos Marqueses da Eliseda, dois títulos de Marquês (Eliseda e Aguiar) e um de Conde (Castanheda);
na linha de Orani, um título de Marquês (Orani) e vários senhorios;
na linha dos Aposentadores-Mores de Portugal, o título de Conde de Santiago;
na linha de Vagos, sete títulos de Conde (Vagos, Aveiras, S. Lourenço, Unhão, Vila Pouca, Vila Maior e Arada) e o de Marquês de S. Leonardo na Sicília;
na linha dos Alcaides-Mores de Campo Maior, o título de Conde de Portalegre e o de Marquês de Gouveia;
na linha de Ciudad Rodrigo, os títulos de Conde de Alba de Yeltes e de Guaro;
na linha de Cifuentes, um título de Conde (Cifuentes) e cinco de Marquês (Montemor, Alconchel, Aguila, Vega e Floresta).
Assim, no final do reinado de Filipe IV, a Casa Silva arvorava nada menos que 61 títulos de Duque, Príncipe, Marquês, Conde, Visconde, adquiridos ou por sucessão hereditária ou por alianças matrimoniais.
A esta Casa da Silva pertenceram alguns nomes dos mais notáveis do Reino, a quem foram confiados os mais altos cargos tanto da administração pública como do foro militar. Os altos funcionários da Côrte eram o Mordorno-Mor, o Alferes e o Chanceler. O Mordomo era por assim dizer, o chefe da Casa Civil do Rei; Alferes era um cargo de atribuições militares: os dois constituíam os postos máximos da aristocracia 6.
Lembremos apenas alguns nomes da Casa da Silva que se guindaram a esta escala. D. Paio Guterres da Silva, vicarius regis de D. Afonso VI de Leão e que deve ter sido o principal representante da autoridade régia em terras do Cávado; Aires Gomes da Silva, que foi aio de D. Fernando, alferes-mor e Condestável do Reino de Portugal, Alonso Tenório da Silva, adiantado perpétuo de Caçorla e notário-mor do Reino de Toledo, D. João da Silva, alferes-mor de Castela e mordomo-mor da Rainha D. Maria, Afonso Gomes da Silva, alcaide-mor de Coimbra e da Covilhã; João Gomes da Silva, senhor de Vagos, copeiro-mor e alferes-mor de Portugal, Aires Gomes da Silva, Justiça-Mor de Portugal, etc.
Durante longas gerações, o posto de Regedor da Justiça, o de Aposentador-Mor e o de Mordomo-Mor estiveram confiados a esta Casa.
Do seu valor militar, falam-nos com frequência as Crónicas dos Reis de Portugal, nomeadamente as de Fernão Lopes; de facto, os pergaminhos da Casa da Silva acompanham de perto os méritos e as vicissitudes da reconquista e defesa do território; só na Batalha de Alcácer Quibir pereceram 13 membros da Casa da Silva.
Nem faltam na história da Casa da Silva personagens ilustres ligadas à história da Igreja ou que se notabilizaram nos caminhos da santidade.
João da Silva Meneses, mais conhecido por Beato Amadeu, fundou a primeira reforma da Ordem de S. Francisco, na Itália, e viu florescer, ainda durante a sua vida, vários conventos.
Santa Beatriz da Silva fundou a Congregação da Imaculada Conceição.
À Casa da Silva pertenceram ainda dois Cardeais, vários Arcebispos de Braga, Granada e Saragoça, entre os quais o célebre D. Frei Diogo da Silva, Bispo de Ceuta, primeiro Inquisidor Geral do Reino e Arcebispo de Braga.
A História da Genealogia da Casa da Silva foi longamente contada em 1685 por D. Luis de Salazar y Castro, cronista do rei de Espanha, mas a preocupação evidente do autor em fazer ressaltar os méritos e os créditos da dita Casa bem como os limites da investigação histórica da época, e a dificuldade que ele teve em consultar os arquivos exigem uma leitura criteriosa desta obra.
Segundo a descrição do Gabinete dos Estudos Heráldicos, as armas da Casa da Silva são: de prata, leão de púrpura armado e linguado de vermelho. Timbre: o leão das armas. Outros do mesmo apelido usam: de prata, leão de vermelho, lampassado de azul e à roda do leão, em forma de era, uma silva de verde, com flores e espinhos de oiro. Timbre: o leão das armas 7.
O escudo foi depois usado pelos diversos ramos da família, com ligeiras variantes. À frente veremos o usado pelos senhores da Silva, de S. Julião do Calendário de Tamel.
Discordam os historiadores quanto à origem da Casa da Silva, podemos resumir em três as opiniões mais correntes:
Uns, tomando como ponto de partida o apelido Silva, fazem remontar a origem da Casa aos Sílvios, reis de Albalonga e à Casa Sílvia, que depois deles, floresceu na Roma Antiga, com notável esplendor. Por esta opinião se bateram, entre outros, Damião de Gois, João Baptista Lavanha e outros. Nessa linha se situariam apelidos como Sílvio, Silvano, Sila, Salviano, Salvio, etc. de que falam tanto os historiadores antigos como a literatura cristã;
Apoiando-se no dado patronímico, uma segunda opinião faz derivar a família Silva, de Alderedo, príncipe Godo que no tempo do rei D. Ramiro I teve a dignidade de Conde Palatino. Tanto o Livro do Deão como o Nobiliário do Conde D. Pedro começam a genealogia da Casa da Silva com D. Guterre Alderete, este Alderete teria herdado o seu nome do conde Alderedo, que viveu pelos anos 840, reinando nas Astúrias D. Ramiro I. É esta a versão defendida por Frei Francisco de Santiago, quando se refere aos senhores da Casa da Silva na sua Crónica sobre o convento do Bom Jesus do Monte da Franqueira;
A terceira hipótese baseia-se em argumentos de natureza heráldica. Partindo da análise das armas da Casa da Silva, que têm como motivo principal o leão, e da presença de certos nomes antigos nos pergaminhos da família, como Gutierres, Paio ou Pelágio, etc. há quem defenda que é na linhagem dos reis de Leão que deve ser procurada a origem desta família.
No entanto, Braamcamp Freire é peremptório: “O facto do brasão dos Silvas ser um leão, é mera coincidência, habilmente aproveitada. Tudo o que for para além do que diz o Nobiliário é pura fantasia. Ponho hoje completamente de parte a ascendência de D. Froila, rei de Leão e Galiza, a qual, com toda a reserva, contudo, aceitei em tempos” 8.
Não é fácil, de facto, desdobrar a meada de gerações que nos levam às raízes do progenitor “oficial” da família Silva, Guterre Alderete. Talvez possamos recuar até ao infante D. Ordonho, filho do rei de Leão, Froila ll, que reinou em 924-925. Este infante foi pai de D. Paio Guterres que era por sua vez pai de Guterre Pais, governador da terra da Maia, que então se estendia da margem direita do Douro até à esquerda do Lima, e avô de D. Paio Guterres da Silva que viveu e foi governador de Alava (Espanha) no tempo dos reis de Leão D. Afonso V (999-1027), D. Bermudo III (1027-1035), e D. Fernando Magno (1035-1065). D. Paio Guterres da Silva foi filho de D. Guterre Alderete da Silva, rico-homern de Leão e Castela, no tempo do rei D. Afonso VI (1072-1109) e o primeiro conhecido com o apelido Silva.
É com este Guterre Alderete da Silva que tanto o Livro do Deão como o Nobiliário do Conde D. Pedro abrem a gesta genealógica da Casa da Silva.
Tratar-se-ia, portanto, de uma família cujas origens poderiam estar, como tantas outras dessa época, intimamente relacionadas com a Casa Real de Leão.
Segundo nos conta D. Melchior de Teves no seu Livro da Casa de Lerma e o confirma D. Luis de Salazar y Castro, D. Guterre Pelaio herdou de seus pais muitas terras na província de Entre Douro e Minho, entre elas a freguesia de Oserdão (hoje Cerdal), com os dois lugares chamados Alderete de Jusão e de Susão que deveriam ser os principais lugares da freguesia; por isso o Conde D. Pedro apelida D. Guterre de Alderete, dando a entender por este apelido, o senhorio que ele tivera nestes dois lugares. O mesmo aconteceria, de facto, com a maior parte das famílias nobres da época: o apelido vem-lhes da terra que possuíam 9.
Além do Cerdal, D. Guterre foi também senhor da Torre e Quinta da Silva, entre Vila Nova de Cerveira e Valença e que confinam com a freguesia do Cerdal.
Não se afasta muito desta hipótese José Matoso quando diz que a família Silva era provavelmente originária de Froião, terra em que se situava a Torre e a Quinta da Silva, pois o indivíduo que confirma um documento régio em 1129 ou 1130 com o nome de Paio Guterres da Silva 10 deve identificar-se com o que usa o nome de Paio Guterres de Froião em 1134, ao confirmar o couto concedido por D. Afonso Henriques ao mosteiro de Sanfins de Friestas 11.
“A Torre de S. Julião da Silva, que parece ser o solar da família, estava situada no extremo ocidental do Julgado (de Froião), enquanto o castelo de Froião ficava no extremo oriental, face ao da Pena da Rainha, e em posição de vigiar, a oeste, o caminho de Arcos de Val a Monção. Da Torre da Silva, por seu lado, poderia vigiar a estrada que ia de Ponte do Lima para Valença e Tuy, ainda mais frequentada que a primeira”.
Este castelo de Froião, segundo crê José Matoso, devia ser o principal castelo do território de Coura em 1156 e que daria o nome ao Julgado de Froião no século XIII; englobava este julgado a área que depois foi desmembrada para formar o concelho de Valença. Entre esta futura vila e a de Cerveira, estava situada a Torre de S. Julião da Silva.
Pinho Leal diz simplesmente que “D. Guterre Alderete da Silva veio para Portugal pelos anos de 1040 e fez assento nesta torre que desde então se denominou da Silva. Na aldeia do Cerdal possuía o mesmo D. Guterre uma quinta à qual pôs o nome de Alderete”, mas nenhuma prova apresenta a abonar a sua afirmação 13.
Acrescenta D. Melchior de Teve 14 que a Torre e a Quinta da Silva teriam sido doadas por D. Guterre Alderete ao mosteiro de Oia, da Ordem de S. Bernardo, situado entre Tuy e Baiona e onde o mesmo D. Guterre estaria sepultado. A hipótese é possível, se considerarmos que, de facto, em 1128 doou a infanta D. Teresa a Paio Guterres Froião a igreja de Mozelos, em Paredes de Coura, com o encargo de, depois da sua morte, ficar para os mosteiros de Oia e de Gonfei 15. Provavelmente, Oia, antes de ser mosteiro cisterciense, terá sido beneditino, como aconteceu com vários outros da mesma época e da mesma região nomeadamente o de Santa Maria de Fiães em Melgaço 17.
De facto, segundo documento do século XIV, o mosteiro de Oia possuía numerosos títulos no Entre Minho e Lima, num total de 69, distribuídos pelas freguesias de Santa Maria da Silva (a granja da Silva), S. Julião, S. Miguel, Gondomil, Cerdal, S. Pedro da -Torre, Valença, S. Salvador de Gândara, Cornes, Vila Nova, Vila Meã, Gondarém, S. Pedro de Mangoeiro, Campos, Covas, Reboredo, Fontoura, Cerveira e Sugulfe 18.
A “granja da Silva” era nos séculos XIV e XV uma exploração agrária de grande envergadura e funcionava como cabeça e celeiro de, todos os bens que o mosteiro possuía.
De acordo com os dados fornecidos pelos documentos, esta granja era constituída por 10 casais, 4 campos, 1 lugar, 4 herdades, 2 vinhas, 1 casa e mais uma parcela não identificada, num total de 24 unidades ou títulos dos 69 que constituíam o património do mosteiro naquela região. Em S. Julião eram cinco os títulos do mosteiro, em S. Pedro da Torre, 5.
Esta granja da Silva, “além da importância económica inerente ao número e qualidade de títulos que a integravam e devido ao facto de ser cabeça e celeiro do domínio do mosteiro”, viria a ter grande importância no quadro das relações galaico-minhotas.
Assim, seria do nome desta quinta, que proviria o apelido Silva que D. Pedro junta a D. Guterre Alderete 19.
Não sabemos se foi D. Guterre o primeiro a usar o nome de Silva - D. Melchior de Teves diz que não - mas o que parece fora de dúvida é que foi ele o progenitor da Casa da Silva, conforme o atestam as genealogias de Castela e de Portugal. Veio a casar com D, Maria Pares de Ambia.
O nome de Silva por que era conhecida a quinta podia muito bem ter origem na natureza da própria propriedade: terreno inculto, com árvores bravias e plantas silvestres, identificava-se muito melhor como bosque ou seiva (silva significa bosque) do que com uma herdade ou casal. O mesmo aconteceu, por exemplo, com a quinta da Mata, a quinta da Veiga ou os Sotomaiores.
D. Luiz de Salazar y Castro afirma ainda que as outras terras e quintas de Galiza e Portugal, conhecidas com o nome de Silva, são filiadas desta, ou seja, terão sido propriedades dos senhores da Casa da Silva, que assim lhes deram o seu nome. Não sabemos como nem quando essas quintas nasceram. D. Luiz não dá pormenores, dizendo apenas que são “fundações dos mais antigos senhores desta Casa”. A verdade é que conhecemos, de facto, outras quintas (- propriedades com esse nome e que pertenceram à família Silva: a quinta da Silva, que em 1540 possuía D. Baltasar Sequeiros e Sottomayor, 1º Conde de Piegue, que lhe deixou por maiorato, juntamente com o lugar de Busteu, D. Briolanja Pereira da Silva, mulher de D. Rodrigo Sequeira da Silva; a freguesia ou abadia de Silva Escura, no Bispado do Porto, concelho da Maia 20, a igreja de S. João da Silva em Tuy a qual o rei D. Dinis de Portugal trocou com o bispo de Tuy D. João Fernandes do Sottomayor, no ano de 1308, pelos patronatos de Santa Maria de Monção e Castro Laboreiro e a quinta da Silva, perto de Barcelos, que possuía Aires Gomes da Silva. No bispado de Viseu, perto do Celorico, diz Frei Luis de Sousa, existia a ermida de S. Domingos da Silva 21. O concelho de Silvares em Trás-os-Montes, poderia também estar ligado à mesma fonte.
Seria demasiado longo e cansativo desbobinar aqui toda a sucessão genealógica da Casa da Silva. Uma boa parte dessa sucessão tem mesmo seu assento em terras de Espanha. Também não é esse o objectivo deste estudo. Interessa apenas dar uma ideia global da evolução e da expansão desta Casa que sirva de pano de fundo ao Morgado da Quinta da Silva, da freguesia de S. Julião do Calendário. Até porque a história genealógica desta família é bastante complicada e cronistas como Salazar y Castro ou Braamcamp Freire viram-se em sérias dificuldades para pôr alguma luz numa meada realmente difícil de desdobrar.
O filho e primeiro sucessor do fundador da Casa da Silva D. Guterre Alderete da Silva, foi D. Paio Guterres da Silva. Desempenhou, pelo menos entre os anos de 1078 e 1081 as funções de Vicarius Regis de D. Afonso VI de Leão 22, que devia corresponder ao encargo de administrador dos domínios régios no antigo Condado Portucalense, depois da morte de Nuno Mendes 23. Casou com Dordia ou Doroteia Mendes, irmã de Soeiro Mendes da Maia e filha de Mendo Gonçalves, a quem os “Annales Portucalenses Veteres” chamam de “varão ilustre e de grande poder em todo o Portugal”. Uma das suas filhas viria a casar com Egas Moniz e outra com Gonçalo Mendes da Maia.
Recebeu herdades em Rio Mau, perto de Chaves, que deu à Sé de Braga e talvez em Montezelos, perto de Vila Real 24. Tinha ainda outras terras em Gualtar que trocou por outras em Tibães. Fundou ou reedificou o mosteiro de Tibães e o vivo interesse que mostrou por este mosteiro, criou uma tradição que o Livro do Deão recolheu “pero era leigo, foi abade em todo o tempo de sa vida em Tibães” Assim, os domínios dos Silvas se começaram a estender para os lados de Braga. A meia légua do mosteiro de Tibães, havia mesmo a quinta da Silva-Mi, certamente relacionada com a família da Silva.
Durante o último quartel do século XI, D. Paio Guterres parece ter sido o principal representante da autoridade régia em terras do Cávado 26, - por voltas de 1098 era governador da Terra de Neiva.
D. Rodrigo da Cunha diz que ele foi o fundador do Mosteiro de Cucujães 27. A informação foi certamente colhida no Nobiliário de D. Pedro que no título 58 o afirma expressamente: “dom paayo Goterrez da Sillua o que fundou o moesteiro de Cujaaes”. Braamcamp Freire repeti-lo-á com a mesma convicção. Mas Miguel de Oliveira provou a impossibilidade da hipótese, pois nessa data era inviável a existência do mosteiro 28.
Como já disse mais atrás, José Matoso identifica este Paio Guterres da Silva com Paio Guterres Froião, que em 1134 confirma o couto concedido por D. Afonso Henriques ao mosteiro de Sanfins de Friestas 29 o último documento em que se sabe ele estar ainda vivo. Nesse caso, devia-lhe pertencer também a igreja de Mozelos, em Paredes de Coura, que a infanta D. Teresa lhe doou em 1128 com a condição de, por sua morte, a deixar ao mosteiro de Santa Maria de Oia e S. Salvador de Gonfei. 30 O documento perdeu-se, mas temos a sua referência nas Actas das Inquirições de D. Afonso III 31.
D. Paio Guterres da Silva teve, entre outros, dois filhos: D. Pedro Pais da Silva, por alcunha o “Escacha” e o Conde D. Gomes Pais da Silva.
D. Pedro Pais da Silva foi alcaide de Coimbra em 1140, no tempo de D. Afonso Henriques 32 José Matoso admite a hipótese de este Pedro Pais da Silva se identificar com Pedro Pais que foi mordomo de D. Henrique, sucedendo no cargo a Paio Soares 33, Pedro Pais era sem dúvida um nobre de grande categoria pois tinha desempenhado as funções de Vicarius Regis pelo menos em 1081. Pertencia, portanto, à categoria dos infanções, representantes de D. Afonso VI, em território portucalense. O relevo social de Pedro Pais vem-lhe ainda de ter casado com Elvira Nunes, filha do conde galego Nuno Vasques e neta da condessa Gontrode Nunes, tia do último Conde de Portugal. A sua riqueza prova-se bem pelo facto de em 1120 ter dado à mulher uma herdade que tinha adquirido por pagar ao Conde D. Henrique 3000 maravedis em vez de Monio Ermeriques 34.
O outro filho de D. Paio Guterres da Silva, D. Gomes pais da Silva, era alcaide do castelo de Santa EuIália, quando em 1204, D. Afonso Henriques fez doação daquele castelo ao convento de Santa Cruz de Coimbra 35.
Para o satisfazer, ordenou El-Rei ao abade crúzio D. João e aos seus frades que lhe fizessem doação de certos bens. Casou com D. Urraca Nunes.
Pode dizer-se que este Gomes Pais da Silva foi o verdadeiro tronco da família Silva, pois foi ele o primeiro que começou a usar as armas do leão que a família conservará. Em 1166 tinha ele a dignidade de Conde, que, não sendo hereditária, se dava aos ricos-homens de sangue mais nobre, com o senhorio ou governo de alguma terra importante.
A este fidalgo concedeu o rei muitas herdades na ribeira do rio Minho.
A Gomes Pais da Silva sucedeu seu filho Paio Gomes da Silva, senhor da Torre e quinta da Silva, na freguesia de S. Julião da Silva, do julgado de Valença.
É bastante atribulada a história dos proprietários e mesmo da identificação desta Torre e Quinta da Silva. Segundo as declarações das testemunhas da primeira alçada, das Inquirições de D. Diniz, “perguntando (o jurado) se há aí alguma honra feita pelo Rei, disse que não, que ele o soubesse, mas disse que há aí a quinta da Silva, que a viram sempre honrada e foi de D. Pedro Gomes da Silva, que foi neto do célebre D. Paio Guterres da Silva” 36.
Esta quinta veio a pertencer a Gonçalo Rodrigues de Abreu, que a possuía na primeira metade do século XIV 37.
Por carta de 29 de Setembro de 1358, D. Pedro I doou-a, primeiro temporária e depois para sempre, a Aires Gomes da Silva, aio do infante D. Fernando.
Novas referências à quinta e Torre da Silva aparecem-nos com D. Afonso V, que, por uma carta de doação de 23 de Setembro de 1450 espolia de todos os seus bens, Aires Gomes da Silva, por ele ter tomado o partido do infante D. Pedro na batalha de Alfarrobeira e os entregou, com a quinta da Silva, a Diogo Gomes da Silva, seu valido, filho ilegítimo de João Gomes da Silva, que ocupou o cargo de copeiro-rnor no reinado de D. João I e ainda em 1437 exercia a função de alferes-mor 38. Trata-se, evidentemente de um outro Aires Gomes da Silva, diferente do Aires Gomes da Silva, beneficiado de D. Pedro I, este deve ser o terceiro dos nove que usaram este nome 39.
Logo a seguir, Diogo da Silva vende a quinta a Leonel de Lima por quarenta mil reis brancos e dez reis de três libras e meia o real branco e um jantar de révora 40
A 4 de Abril de 1451, João Lourenço e Lopo Alvarez, escudeiros de Leonel de Lima, tomavam posse em seu nome da dita quinta e “todallas cousas que a ella pertençem como logo de feito tomaram por terra e telha e pedras e por todallas cousas que a ella perteçem e defecharom as portas das casas da dita quintaa. E entrarom dentro em ella e forom açima da Torre della e se sairam fora e as tornaram a fechar. E disserom que por o poder que era na ditta carta ao ditto Lionel de Lima tomarom a ditta posse em seu nome realmente della e que se aviam por metidos em ella e que pediam a mim ditto tabelliam que de meu ofício lhe desse assy hum estromento” 41.
Braamcamp Freire, porém, apresenta uma versão diferente dos factos. Segundo ele, quando os bens de Aires da Silva foram confiscados, o rei doou-os, com a quinta da Silva, a Lopo Dias de Azevedo e este, com sua mulher Joana Gomes da Silva, irmã do anterior possuidor, por instrumento de 8 de Dezembro de 1413, a doaram a D. Maria Coelho, mulher de Gonçalo Anes de Sousa. Mais tarde, a quinta foi doada a Rui de Melo, por carta de 1 de dezembro de 1468 42.
Analisando estes elementos contraditórios e os dados internos dos documentos de D. Afonso V, o Dr. Jaime Cepa Machado conclui, por um lado, que se não deve tratar dos mesmos bens 43, e por outro, “que o pergaminho que transcreve simultaneamente três documentos, pode constituir uma prova sub-reptícia de apropriação de bens, baseada na não identificação da quinta em questão, já que o terceiro documento é escrito por mão diferente dos primeiros, com espaço reservado para tal” 44. E o Dr. Jaime Cepa conclui pela autenticidade do pergaminho, mas duvida da sua veracidade.
De qualquer modo, a Torre da Silva, em S. Julião da Silva, no concelho de Valença, e a poucos quilómetros de S. Pedro da Torre, é não só uma das nossas mais antigas torres senhoriais, como constitui, hoje, o único vestígio da casa solarenga que albergou uma das famílias mais antigas de Entre Douro e Lima.
Quando terá sido construída? As Inquirições de 1258 não fazem qualquer referência a esta torre nem ao seu senhorio. Dizem apenas que EI-Rei detém o padroado de metade da igreja e que possui alguns casais e feiras que andam aforados, recebendo de foro nas festas de ano, produtos vários como pão, linho, ovos, galinhas, vinho, castanhas e dinheiro. 45
Esta omissão é devida, certamente, à época tardia em que se construíram as torres fortificadas no Alto Minho 46. As nossas torres não vão, umas além da segunda dezena do século XIV, outras do tempo de D. Afonso V, D João III e do domínio filipino e as mais recentes do século XVII 47.
Dos filhos de D. Paio Gomes da Silva e dos seus descendentes próximos, procederam os vários ramos dos Silvas, em que se dividiu a linhagem.
Braamcamp Freire, ao estudar os Brasões da Sala de Sintra, depara com dificuldades especiais para clarificar a genealogia da Casa da Silva. Divide ele a árvore dos Silvas em sete troncos principais:
O tronco dos Silvas de Elvas, com o ramúnculo dos Alcaides de Campo Maior e Ouguela;
O tronco dos Condes de Portalegre e Marqueses de Gouveia;
O tronco dos Condes de Cifuentes com vários ramos em Espanha e um em Portugal;
O tronco dos Senhores e Marqueses de Vagos;
O tronco dos Senhores e Condes de Unhão, rebento saído do precedente tronco;
O curto tronco dos Alcaides de Moura que se estende aos Marqueses de Alegrete;
O mais avantajado em Espanha, o tronco dos senhores de Chamusca, Duques de Pastrana, que provieram dos senhores de Vagos e deixaram em Portugal o ramo dos Condes de Santiago 48.
Façamos uma breve referência a cada um destes troncos e vejamos onde toma seu pé o ramo dos Silvas que estão na origem da quinta de S. Julião do Calendário, no vale do Tamel.
Gomes Pais da Silva, o segundo com esse nome, filho de D. Paio Gomes da Silva, senhor da quinta da Silva, casou por duas vezes e teve entre outros, do primeiro casamento, Martim Gomes da Silva e do segundo, João Gomes da Silva.
A Martim Gomes da Silva sucedeu-lhe o seu único filho varão Aires Gomes da Silva, O Velho. Era vassalo de D. Pedro I, quando por carta de 3 de julho de 1395, lhe mandou entregar o castelo de Santarérn 49, casou com Senhorinha Martins e dela teve três filhos: Rui Gomes da Silva, Fernão Gomes da Silva e Afonso Gomes da Silva, alcaide do Castelo de Coimbra.
Rui Gomes da Silva foi vassalo de D. Pedro I que, por carta de 18 de janeiro de 1402, lhe doou os casais e vinhas por ele possuídos em Pinheiro e da quinta de Corroles, no almoxarifado de Lamego 50. Teve quatro filhos: Pero Gomes da Silva, 2º alcaide de Campo Maior e Ouguela, Fernão da Silva, Diogo da Silva Mendes, 1º Conde de Portalegre e Afonso Teles de Meneses, 3º alcaide de Campo Maior e Ouguela, João Gomes da Silva, que mais tarde ingressou na ordem Franciscana e veio a ser conhecido por Beato Amadeu, D. Branca de Meneses e D. Beatriz da Silva que em 1434 fundou em Toledo a Ordem da Imaculada Conceição de Maria e foi recentemente canonizada.
Fernão da Silva ou Fernão da Silva Meneses depois de ter estado algum tempo em Espanha, passou a morar em Elvas e casou com D. Maria de Abreu, filha de Fernão de Abreu.
Diogo da Silva Meneses, terceiro filho de Rui Gomes da Silva, alcaide-mor de Campo Maior e Ouguela, começou por servir em África, acompanhando em 1464 o Infante D. Fernando a Tânger e lá ficou cativo 51. D. Manuel fê-lo Conde de Portalegre em 1496, com as rendas, a jurisdição e o castelo. Depois deu-lhe as alcaidarias-mores de Portalegre e Assumar e fê-lo capitão das mesmas vilas 52.
Em 1498, faz-lhe o Rei, doação de juro e herdade das vilas de Celorico, Gouveia, S. Romão e outras 53.
Foi casado com D. Maria de Aiala, de quem teve quatro filhos, um dos quais D. Miguel da Silva, veio a ser nomeado Cardeal em Roma, mau grado a oposição do Rei, faleceria na Cidade Eterna, em condições económicas difíceis e foi sepultado na igreja de Santa Maria Transtiberina 54.
D. João da Silva, filho primogénito de seu pai, sucedeu-lhe no título de Conde de Portalegre e, como ele, os seus descendentes.
Do segundo Gomes Pais da Silva foi filho, nascido do seu segundo casamento, João Gomes da Silva. Como seu pai, também ele casou duas vezes e de cada uma das suas mulheres teve um filho varão: da primeira, Aires Gomes da Silva, o Moço, e da segunda João Gomes da Silva.
A primeira notícia referente a Aires Gomes da Silva, o Moço, consta de uma carta de 29 de Setembro de 1396, em que D. Pedro I lhe manda entregar a quinta da Silva, no almoxarifado de Valença; esta doação, por agora temporária, viria a tornar-se perpétua por outra carta de 15 de Julho do ano seguinte, em que o Rei sublinha o seu muito serviço a ele, EI-Rei e ao Infante D. Fernando 55.
D. Fernando, mandar-lhe-ia entregar os castelos de Valença, Guimarães e Cerveira 56 e far-lhe-ia doação, algum tempo depois, dos lugares de Unhão, Vilar de Torno, Manhuncelos, Atães, Vila Caís, Brunhais e Regilde, na comarca de Entre Douro e Minho 57. A estas doações vão seguir-se outras, como a do lugar de Cepães, em Entre Douro e Minho 58.
No ano seguinte, Aires Gomes da Silva estava já casado com D. Urraca Mendes, sua segunda mulher, pois nesse ano, o Rei doa-lhe a ele e a sua mulher Urraca Mendes e a todos os seus herdeiros e sucessores, a quinta de Palma, em termo de Monforte 59.
Em 1371, era alferes-mor do Rei, conforme se vê pela carta de doação da terra de Meinedo, no julgado de Lousada 60. Os motivos de todas estas doações insistem sempre nos seus “muitos e altos serviços e obras de grandes merecimentos que sempre fez e faz mui leal e verdadeiramente... assim em nos a judar a criar de pequeno, sendo nosso aio, como em guerras grandes que houvemos, etc.”.
A seu filho do primeiro matrimónio, Gonçalo Gomes da Silva, fez D. Fernando, doação da terra de Aguiar de Pena “por muitos e estremados serviços que recebemos de Aires Gomes da Silva, nosso vassalo e alferes-mor, seu padre” 61. Pouco mais tempo deve ter vivido, pois que o Rei fazia de novo doação da referida terra de Aguiar de Pena, a Lopo Dias de Azevedo, a 24 de Agosto de 1423 62.
Gonçalo Gomes ela Silva faleceu antes de seu pai e o filho do segundo casamento de Aires Gomes da Silva foi Afonso Gomes da Silva, que passou para Castela, vindo a chamar-se Alonso Tenório, Foi adiantado de Caçorla, senhor de Barciente e teve de sua mulher, além de outros filhos, D. João da Silva que foi Conde de Cifuentes e seus descendentes vieram a ser marqueses de Montemor.
Gonçalo Gomes da Silva foi filho do segundo casamento de João Gomes da Silva, o Velho. Aparece como cavaleiro vassalo de EI-Rei, no tempo de D. Fernando, alcaide-mor de Sabugal e de Montemor-o-Velho, senhor das terras de Nespereira e das Motas, no termo de Viseu e possuidor de outras rendas reais.
D. João I, por carta de 1 de agosto de 1384, fez-lhe novas mercês do lugar de Cantanhede “vendo e considerando em como Gonçalo Gomes da Silva nos faz serviço em esta guerra por defensão dos reinos” 63.
Foi Gonçalo Gomes da Silva casado com Leonor Gonçalves e dela teve, entre outros, os seguintes filhos varões: João Gomes da Silva, 1º senhor de Vagos; Diogo Gomes da Silva, que aparecerá no ramo dos condes de Vilar Maior, Alegrete e Penalva; Fernão da Silva, que foi estribeiro-mor de D. Duarte e D. João II e progenitor de vários Silvas “nenhum dos quais fundou casa, mas foram soldados valentes, em terra e mar, no Reino e nas conquistas” 64.
João Gomes da Silva, filho primogénito de Gonçalo Gomes da Silva, teve, em 23 de abril de 1422, carta de doação temporária do lugar de Vagos 65; pouco depois, esta doação tornar-se-ia perpétua 66. Anteriormente, em 1423, havia-lhe sido feita doação para sempre de todos os bens móveis e de raiz possuídos em Guimarães, seu termo e outras partes do Reino, por Aires Gomes da Silva e sua mulher D. Urraca.
Serviu a D. João I como copeiro-mor e alferes-mor, o qual lhe fez várias mercês, como por exemplo o lugar de Unhão, as terças das igrejas de Santiago do Castelo, Santa Maria de Caminha e S. Cibrão de Vila Nova de Cerveira, doação do castelo de Valença, etc.
João Gomes da Silva foi o fundador da quinta de S. Silvestre, a qual deu origem à freguesia, onde depois se edificou o mosteiro de S. Marcos 67.
Casara João Gomes da Silva com D. Margarida Coelho, filha de Egas Coelho, e deste matrimónio nasceu um único filho varão, Aires Gomes da Silva; uma das suas filhas Teresa da Silva, viria a casar com Fernand'Anes, dos Limas, abrindo assim o ramo, donde proviria a Morgada da quinta da Silva, em S. Julião do Calendário.
A João Gomes da Silva sucedeu-lhe Aires Gomes da Silva, em quem seu pai renunciou o senhorio das terras de Unhão, Brunhais, Torre de Vilar, Cepães, Vila Cais, Regildo, Atães, Manhuncelos e Vagos.
Dos seus descendentes, muitos foram regedores da Justiça da Casa da Suplicação.
Aires Gomes da Silva, segundo senhor de Vagos e Unhão, teve dois filhos: João da Silva, quarto senhor de Vagos e Fernão Teles de Meneses, 3º senhor de Unhão. A casa foi confiscada a Aires Gomes por ser partidário do infante D. Pedro e ter estado de seu lado na batalha de Alfarrobeira, foi-lhe restituída a ele e a sua mulher D. Beatriz de Meneses, em 1423, para ser dividida pelos seus filhos. Na divisão, ficou o primeiro com Vagos e outras terras e o segundo com Unhão, Cepães, Gestaçô, Meinedo e Ribeira de Soaz,
Fernão Teles foi mordomo-mor e governador da casa da princesa D. Leonor, mulher do futuro D. João II e tanto a ela como a seu pai serviu dedicadamente. Tinha a sua casa em Santarém, em Fora de Vila e aí tomaram assento os senhores de Unhão.
Pelo casamento do V Conde de Unhão, João Xavier, com D. Maria José da Gama, 4ª marquesa de Nisa, viúva do marquês Nuno de Silva Teles, filho segundo do terceiro marquês de Alegrete, veio entrar a casa de Nisa na de Unhão e não só a de Nisa, mas também a de Cascais e Castanheira.
De Rui Teles de Meneses, 4º senhor de Unhão, foi filho segundo, Brás Teles de Meneses, camareiro-mor do Infante D. Luís, em substituição de seu pai, acompanhou o Infante na expedição de Tunes. Sucedeu-lhe seu filho Rui Teles de Meneses, 2º alcaide de Moura e camareiro-mor do infante D. Luís, em sucessão de seu pai.
O seu segundo filho, João Gomes da Silva, foi alcaide-mor de Seia e capitão-mor da armada da Índia em 1567 e regedor da Casa da Suplicação.
Fernão Teles de Meneses foi o 1º Conde de Vilar Maior e nas gerações seguintes entraram na família os marqueses de Alegrete e Penalva.
Diogo Gomes da Silva, segundo filho de Gonçalo Gomes da Silva, alcaide-mor de Montemor o Velho e irmão de João Gomes da Silva, 1º senhor de Vagos e alferes-mor, serviu em 1415 na expedição de Ceuta e lá foi armado cavaleiro pelo Infante D. Henrique.
Do seu casamento com Isabel Vasques de Sousa, nasceu Rui Gomes da Silva, primeiro senhor de Chamusca e Ulme e Gonçalo Gomes da Silva, primeiro alcaide-mor de Soure, João Gomes da Silva e Diogo da Silva.
A Rui Gomes da Silva fez o infante D. Pedro doação das terras de Mação e Vila Nova de Fozcoa. Rui Gomes casou em 1552 com D. Ana de Mendonça e por ela teve em 1555 o título de conde de Mélito.
D. Diogo da Silva y Mendonça, 1º marquês de Alenquer, foi duque titular de Francavila, conde de Salinas e Ribadeo e primeiro marquês de Alenquer.
Luis de Salazar y Castro. História de Ia Casa de Silva. Madrid 1685.
Ibid., pág 22.
Portugaliae Monumenta Historica. Nova Série, Vol I, Livros Velhos de Linhagens, Academia das Ciências, Lisboa, 1981 Ed crítica de José Matoso.
José Matoso, A nobreza de Entre Douro e Minho na História Medieval de Portugal, in A Nobreza Medieval Portuguesa, A família e o poder. Ed, Estampa, pág 289-313 José Matoso, P, M.H- Vol, lI 2, TIT, LVIII.
José Matoso, Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros. A Nobreza Medieval Portuguesa nos séculos XI, XII, pág. 45-46.
Ibid, pág. 116.
Enciclopédia Luso Brasileira, Vol. 17.
A. Braancamp Freire, Os Brazões da Sala de Sintra, III Vol, pág. 17.
Luis Salazar y Castro ob. Cit., pág. 76.
Documentos Medievais Portugueses. Documentos Régios Vol, I, doc. nº 96, Ed. Rui de Azevedo.
Ibid, doc, nº 192.
José Matoso, Identificação de um país. Ensaio sobre as origens de Portugal. 1069-1325. Vol I, pág 140.
Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol. IX, pág. 365.
Luis de Salazar y Castro, ob. Cit., pág. 76.
D. M P., doc, nº II.
Dom Maur Cocheril. Études sur le Monachisme e Espagne e tau Portugal, 1966, pág. 374. Dom Maur Cocheril, Abadias Cistercienses Portuguesas in Lusitania Sacra, Tomo IV, 1959, pág. 61-92.
D. M. P –D. R, I, nº 318.
José Marques, O mosteiro de Oia e a granja da Silva no contexto das relações Luso-Castelhanas dos séculos XIV e XV. Sep., da Revista de História, Vol VI, 1958, pág. 21.
A Brandão, Monarquia Lusitana, 3ª parte, Cap. 31, fl, 60.
D, Rodrigo da Cunha, Catálogo dos Bispos do Porto, 2.ª parte, pág 401.
Frei Luís de Sousa, História de S Domingos, 1ª parte, Lib. 4, pág. 4, fl. 209.
Liber Fidei Sanctae Bracarensis Ecclesiae. Ed Avelino de Jesus Costa, nº 271, 108.
J. Matoso, Identificação de um país, pág. 134.
Liber fidei , nº 98, 99.
L. D, 15 Bl.
J. Matoso, Infanções, pág. 51.
D. Rodrigo da Cunha, op cit, pág 385.
Miguel de Oliveira, O mosteiro de Cucujães e o seu fundador in Ourique em Espanha, pág, 121-129.
D. M. P nº 142.
Ibid. nº II.
P. M. H., Inquirições I, pág. 357 - D M P , Doc. Régios, Vol. I, Tomo II -- Referências.
A. Brandão, Monarquia Lusitana, 3 P. Lib. 10, Cap, IX, pág, 135.
José Matoso, Infanções, pág. 117.
Ibid., pág 118.
Forrais Antigos Ref. em Braamcamp Freire. Brazões, Vol. lI, 2 ª Ed., Coimbra, 1930.
A. Lopes de Oliveira, Valença no Minho, pág, 38.
Lourenço Alves, Do gótico ao Manuelino no Alto Minho, pág 57.
Jaime Cepa de Miranda, Quinta e Torre da Silva – Valença in Caernos Vianenses, Vol. VI pág. 141-153.
Jaime, Cepa de Miranda, lbid.
Ibid.
Ibid, pág 152.
Braamcamp Freire, Brazões da Sala de Sintra.
J Cepa de Miranda, op. Cit, pág. 145.
Ibid.
P. M. H. Inquisitiones, Vol. I, Fasc. III, pág.366.
Lotirenco AIw. s,op. cit--- ~»g 58-59.
L. Figueiredo da Guerra, Torres Solarengas do Alto Minho, Sep. de “O Instituto”, Vol 72. nº 4 1925, pág 8.
Braancamp Freire, o. cit.
A.N.T.T., Chencelaria de D. Pedro I, Liv. 1, Fl 5.
A.N.T. T. ibid. Liv. I, Fl 92.
Rui, de Pina, Crónica de D. Afonso V, pág, 509.
A N T T_ Chancelaria de D Manuel, liv. 31, Fl 9.
Ibid, Fl 9.
Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, III parte, pág. 908-931.
A.N.T.T., Chancelaria de D. Pedro I, Liv. I, Fls. 4 e 33.
A.N.T.T., Chancelaria de D. Fernando, Liv I, Fls. 7, 6v e 16v.
A.N.T.T, Ibid., Liv I, Fls. 4 e 14.
A.N.T.T, Ibid- Fl. 15v.
A.N.T.T, Ibid- Fl. 31.
A.N.T.T, Ibid, Fl. 87v.
A.N.T.T., Chancelaria de D. João I, Liv. I, Fl. 88v.
A.N.T.T, Ibid, Liv. I, Fl. 88v.
A.N.T.T., lbid., Liv. I, FI. 3.
Braancamp Freire, op. cit., II, pág. 46.
A.N.T.T., Chancelaria de D. João 1, Liv. I, Fl. 7v.
A.N.T.T., Liv. V, FI. 137v.
Joaquim de Vasconcelos, O convento de S. Marcos, doc. I, in Revista de Guimarães, Vol. XIV, pág. 93.
Existem alguns poucos livros que refletem de maneira mais fidedigna a ocupação portuguesa das missões. Temos muitas publicações que retratam a história de determinados municípios da região Noroeste e Missões a partir da ocupação de terras por imigrantes estrangeiros, primeiramente alemães e depois italianos e demais. Todavia, essas terras já eram sondadas e disputadas entre os colonos portugueses e os colonos espanhóis a partir das guerras guaraníticas que ambas as metrópoles europeias travaram contra os índios reduzidos das missões catequizadoras dos jesuítas. E muito antes por Bandeiras Paulistas.
Foram através das bandeiras que estes mesmos paulistas tomaram conhecimento destas terras missioneiras, e de seu potencial produtivo. As primeiras tropas de mulas que vinham da Argentina faziam todo um elaborado sistema de desvios para não cruzar pelas Missões e pelos sertões ocupados por índios guaranis e outras tribos que fugiam do avanço colonizador da América Portuguesa e até mesmo da América Espanhola. As mulas que os primeiros tropeiros buscavam na Argentina desciam por Santa Fé até as divisas com a Cisplatina e atravessavam o Uruguai subindo perto do litoral gaúcho passando por Viamão e subindo a Serra Geral, por vezes passando por Laguna e por último por Lages.
Os governadores de São Paulo sabiam do potencial logístico da região missioneira, podendo economizar um grande percurso no itinerário dos tropeiros até a feira de Sorocaba. Além de seu valoroso rebanho vacum que estava espalhado pelos campos entre as matas dessa região, e ainda pelo potencial de colheita da erva mate (ilex congonha) que tinha vários belos bosques entre os matos do sertão do Rio Uruguai. Sabendo destas relíquias, sempre que podiam, incentivaram explorações e expedições neste território, até mesmo antes da criação da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.
A fronteira do Continente de São Pedro com São Paulo era feita pelo Rio Pelotas, perto de Lages até perto do que é hoje a cidade de Chapecó, já feita pelo Rio Uruguai. Porém até a Conquista das Missões (1801), a margem esquerda do Uruguai era ocupada por índios que foram expulsos das reduções pelo exército europeu e alguns castelhanos. Alguns índios caingangues ou coroados, do grupo jê, e outros tapuias também viviam nas matas serranas entre os Campos Gerais no atual Paraná até o Planalto Médio do Rio Grande do Sul.
Fazendo uma retrospectiva sobre o domínio das Missões podemos começar no Tratado de Tordesilhas (1494), no qual toda a parte ocidental da linha imaginária que cruzava perto de Laguna até Belém, proposta por Ribeiro (1519), pois esta linha teve várias interpretações, pertencia ao Reino de Castela. Esta área do atual Rio Grande do Sul ficou por muito tempo ignorada pelos olhares europeus. A bacia do Rio da Prata foi explorada tanto por portugueses e espanhóis. Estes últimos tinham informações sobre uma civilização crescente que habitavam a cordilheira dos Andes na região do atual Peru. Esta civilização era conhecida pelos nativos que ocupavam costa brasileira e que informaram aos europeus que tal civilização tinha muito ouro e prata. E que haviam alguns caminhos e trilhas pré-colombianas que direcionavam até a sua capital, Cusco. Esta civilização eram os Incas e os caminhos se chamavam Peabirus. Os espanhóis patrulharam a foz do Rio da Prata primeiramente com Juan Díaz de Solís, em 1516, e depois adentraram o Rio da Prata navegando pelo Rio Paraná e em seguida o Rio Paraguai fundando um assentamento com um forte de nome Asunción, no atual Paraguai, em 1537. Este forte era um local de descanso para quem se aventuraria na busca do ouro dos incas. Um ano antes eles fundaram Buenos Aires na expedição de Pedro de Mendoza.
Interpretações do Tratado de Tordesilhas (1494)
Com a conquista do Peru e derrota do Império Inca pelo explorador Francisco Pizarro em 1532, toda essa região do Prata ficou esquecida e caiu no obsoletismo das expedições europeias por pelo menos 50 anos. Somente em 1580 que Buenos Aires é refundada, após ser abandonada, e um comércio se forma com produtos do Paraguai passando pela foz do Prata. Em 1624 se iniciam as reduções do Tape à esquerda do Rio Uruguai no atual território do Rio Grande do Sul, entre os rios Piratini e Jacuí. Enfim a região volta a ser ocupada com exploradores espanhóis e floresce os aldeamentos guaranis pastoreados pelos jesuítas a fim de catequizar os índios. Foram fundadas entre 1626 e 1634, dezoito reduções, sendo a primeira delas a de São Nicolau, em 1626, liderada pelo Pe. Roque Gonzales de Santa Cruz, seguindo-se, ainda na área de influência do Rio Uruguai, às margens dos rios Ijuí e Piratini, as de São Francisco Xavier, Candelária do Piratini, Todos os Santos do Caaró ou Mártires, Assunção do Ijuí, Apóstolos e São Carlos do Caapi.
No Tape propriamente dito, na área de influência dos rios Ibicuí e Jacuí, foram fundadas, à margem do Ibicuí e afluentes, as reduções de Candelária do Ibicuí, São Tomé, São José, São Miguel (que não é a redução de São Miguel das Missões, da qual ainda existem ruínas, no atual município de São Miguel das Missões, próximo a Santo Ângelo, e que é da segunda fase da expansão das Missões no Estado); e São Cosme e São Damião.
Às margens do Jacuí e afluentes, foram fundadas Santa Teresa (a mais setentrional), próximo à atual cidade de Passo Fundo, São Joaquim (mais ou menos próxima ao atual município de Barros Cassal), Sant'Ana, Jesus Maria e São Cristóvão (na área compreendida entre os atuais municípios de Santa Maria, Santa Cruz do Sul e Cachoeira do Sul), sendo a de São Cristóvão a última a ser fundada, e também a mais avançada para leste, a menos de 200 quilômetros da atual Porto Alegre.
As reduções do Tape, localizavam-se na Banda Oriental do Uruguai e faziam parte da penetração dos missionários a partir de Assunção, no sentido Leste. Quase todas as reduções do Tape repetem nomes que já haviam sido dados a reduções no Guairá, mas essa não é somente uma coincidência. Quase todas, também, foram destruídas pelos bandeirantes nos anos seguintes e os índios sobreviventes deslocaram-se para novos lugares, concentrando-se especialmente entre os rios Uruguai e Paraná, em território argentino, onde poderiam proteger-se melhor e estariam mais bem garantidos pela coroa espanhola. Em 1636, a bandeira de Raposo Tavares capturou índios das reduções de Jesus Maria, São Cristóvão e São Joaquim. Em 1637, o bandeirante André Fernandes preou os nativos que habitavam as reduções do vale do Ijuí. Em 1638, Fernão Dias Paes percorreu o vale do Ibicuí, aprisionando índios missioneiros. No mesmo ano, os missioneiros resistiram em Caçapaguaçu, destruindo a bandeira de Pascoal Leite Paes. Os Jesuítas retiraram os nativos para a outra margem do rio Uruguai. Em 1641, Manoel Pires desceu com sua bandeira o rio Uruguai, mais foi pego na armadilha de Mbororé, retornando derrotado a São Paulo. Alguns anos depois deu-se início a segunda fase dos aldeamentos, a mais próspera economicamente, e da qual existem ainda algumas ruínas.
Os bandeirantes capturavam os nativos das reduções porque diferentemente dos outros não reduzidos eram mãos-de-obra especializadas, pois conheciam técnicas agrícolas e alguma profissão como carpintaria e olaria. Com a restauração de Portugal, em 1640, o meridiano de Tordesilhas passou a ter validade. Transpô-lo seria invadir o território de outro rei, por isto os bandeirantes encerraram a caça ao nativo na região sul. A expulsão dos holandeses de Angola reativou o tráfico negreiro para o Brasil.
As reduções voltaram e se estabelecer após o retorno dos índios da margem direita do Uruguai, e foram reerguidas nesta sequência: São Francisco Borja (1682), São Nicolau (1687) e São Luiz Gonzaga (1687), São Miguel Arcanjo (1687), São Lourenço Mártir (1690), São João Batista (1697) e Santo Ângelo Custódio (1707).
Em 1680 os portugueses querendo uma fatia do crescente comércio do Prata, e após a dissolução da União Ibérica (1580-1640) fundam uma colônia em território espanhol, a Colônia do Sacramento. Começam a transitar portugueses pela costa desde Laguna até Sacramento e fundaram um forte para defesa deste itinerário, em 1737. Este forte recebeu o nome de Jesus, Maria e José, e posteriormente Rio Grande. Além de soldados havia um aldeamento de colonos açorianos, que estavam em Laguna, e que vinham arrebatar o gado solto nos pampas. Em 1760, Rio Grande, que até então estava sujeita à Capitania de Santa Catarina, passou a ser a capital da nova Capitania de Rio Grande de São Pedro, dependente do Rio de Janeiro.
Vale aqui abrir um parêntese para exibir a cronologia da fundação e ocupação de Laguna. A partir do início da época em que o Brasil foi descoberto, expedições vindas de Portugal e Espanha visitaram a costa catarinense. No ano de 1526, Sebastião Caboto, viajando ao Rio da Prata, percorreu a ilha então denominada dos Patos e a chamou de Santa Catarina. D. João III doou as terras continentais para Pero Lopes de Sousa em 1534. No entanto, em todos os anos do século XVI, as terras ficaram desabitadas, recebiam a visita de jesuítas, colonizadores espanhóis e portugueses, porém, sem população permanente. Os portugueses somente começaram a se interessar pela região na metade do século XVII. No ano de 1658, a povoação permanente mais antiga do estado, o povoado de Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco, foi fundada por Manuel Lourenço de Andrade e seus amigos. Em 1675, o bandeirante paulista Francisco Dias Velho, seguido de seus filhos, escravos e criados, criou a povoação de Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis) na ilha de Santa Catarina. Em 1676, o povoado de Laguna foi estabelecido por Domingos de Brito Peixoto. Criou-se a Capitania de Santa Catarina, vinculada à de São Paulo, em 1738. A capitania desmembrou-se de São Paulo e passou a pertencer à do Rio de Janeiro, em 1739. Um sistema defensivo insular foi criado e cerca de cinco mil imigrantes açorianos começaram a povoar a ilha e o litoral da capitania, de 1748 a 1756. A Capitania de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, fundada pelo Marquês de Cascais em 1656, substituiu a Capitania de Santana, que teve início na foz da baía de Paranaguá e fim na atual cidade catarinense de Laguna. Tem como limites a de Santo Amaro (parte da segunda seção da de São Vicente) ao norte, as águas salgadas do oceano Atlântico a leste e o Governo do Rio da Prata e do Paraguai a oeste, estados extintos que eram delimitados pelo Tratado de Tordesilhas.
Capitanias Hereditárias (1536)
Durante a União Ibérica e por muitos anos após a dissolução, os bandeirantes paulistas, fizeram várias incursões no território sul americano, além das bandeiras que atacaram as reduções jesuíticas. Isso mudou a fronteira do Brasil, forçando as linhas até quase os contrafortes dos Andes. Isso resultou em vários conflitos entre as coroas portuguesa e espanhola que em 1750 fizeram um novo acordo. O Tratado de Madrid, como foi conhecido o acordo, foi firmado na capital espanhola entre os reis João V de Portugal e Fernando VI de Espanha, em 13 de janeiro de 1750, para definir os limites entre as respectivas colônias sul-americanas, pondo fim assim às disputas. O objetivo do tratado era substituir o Tratado de Tordesilhas, que já não era mais respeitado na prática. Pelo tratado, ambas as partes reconheciam ter violado o Tratado de Tordesilhas na América e concordavam que, a partir de então, os limites deste tratado se sobreporiam aos limites anteriores. As negociações basearam-se no chamado Mapa das Cortes, privilegiando a utilização de rios e montanhas para demarcação dos limites. O diploma consagrou o princípio do direito privado romano do uti possidetis, ita possideatis (quem possui de fato, deve possuir de direito), delineando os contornos aproximados do Brasil de hoje. Esse tratado dispunha que Portugal entregaria a Colônia do Sacramento à Espanha, em troca do recebimento do território dos Sete Povos das Missões.
Para executar este tratado, os espanhóis comunicaram aos jesuítas que deveriam desocupar as reduções e suas estâncias. Porém os guaranis ignoraram tal ordem e recusaram a desocupação. Os europeus enviaram uma comitiva formada por alguns soldados, engenheiros e topógrafos para realizarem as demarcações, quando foram surpreendidos com um ataque liderado por Sepé Tiarajú, e alguns padres que resolveram ficar em seus cabildos. Após isso Portugal e Espanha enviaram seus soldados para realizar a evacuação forçada das reduções, deflagrando a Guerra Guaranítica (1753-1756), após o primeiro combate nos arredores de São Martinho e Alegrete, tombou o líder Sepé com fácil vitória dos exércitos ibéricos unidos. Os exércitos avançaram e foram destruindo uma a uma cada redução, acabando de vez com as Missões. Devido às dificuldades das demarcações e à resistência suscitada pela Guerra Guaranítica, as disposições do Tratado foram anuladas por um novo diploma, o Tratado de El Pardo, celebrado a 12 de fevereiro de 1761.
O contexto da celebração do Pacto de Família (1761) unindo os Bourbon da França, da Espanha, de Nápoles e de Parma acirrou a tensão entre Portugal e a Espanha. No contexto da Guerra anglo-francesa dos Sete Anos (1756-1763), permanecendo a Colônia do Sacramento em mãos de Portugal, esta foi novamente invadida por tropas espanholas sob o comando de D. Pedro de Cevallos (30 de outubro de 1762), governador de Buenos Aires, para ser devolvida em virtude do Tratado de Paris (1763). Em 12 de maio de 1763, Cevallos invadiu a então vila de Rio Grande, conquistando o forte e removendo os portugueses até São José do Norte, na margem oposta a Rio Grande — a qual também seria ocupada por Cevallos, passando a capital da capitania à população de Viamão em 1766. Os povoadores portugueses que não fugiram até Porto dos Casais foram transladados por Cevallos a Maldonado, dando origem ao povoado de São Carlos. Na noite de 6 de julho de 1767, as tropas portuguesas, por ordem do governador da Capitania do Rio Grande do Sul, coronel José Custódio de Sá e Faria, depois de violentos combates, expulsaram os espanhóis de São José do Norte.
A permanência dos espanhóis na vila durou até 1º de abril de 1776, data em que o comandante general português de São José do Norte, o alemão Johann Heinrich Bohm, atacou os fortes de "Santa Bárbara" e "Trindade" e recuperou a vila com ajuda do sargento major Rafael Pinto Bandeira. Pedro de Cevallos foi o primeiro vice-rei do Vice-reino do Rio da Prata e, ao ser nomeado, recebeu a ordem de deter a expansão portuguesa. Em princípios de 1777, Cevallos e seus homens recuperaram a Ilha de Santa Catarina, sem disparar um só tiro, já que a esquadra portuguesa abandonou a ilha. Em 21 de abril, chegou a Montevidéu, onde atacou o Forte de Santa Teresa, no atual departamento uruguaio de Rocha, e dirigia-se mais uma vez contra a cidade de Rio Grande quando recebeu notícias de um tratado de paz assinado entre Espanha e Portugal, que o obrigava a retirar-se da cidade. Durante esse tempo, na Europa, o Tratado de Santo Ildefonso (1777) restabeleceu as linhas gerais do Tratado de Madrid: a Colônia do Sacramento, o território das Missões e parte do atual Rio Grande do Sul eram cedidos à Espanha, que devolvia a ilha de Santa Catarina a Portugal.
Mapa do Continente de São Pedro (1777)
Entre 1750 e 1777, durante esses conflitos e dificuldades de demarcação das linhas do Tratado de Santo Ildefonso, os portugueses continuaram enviando colonos açorianos para ocupar as Missões, como não houveram avanços nas negociações estes colonos ficaram retidos no desembarque em Viamão, formando um tipo de acampamento provisório. Muitos dos açorianos acabaram se incorporando nos regimentos de dragões e se unindo a paulistas e lagunenses nos fortes criados ao longo do Rio Jacuí, sendo o mais importante o de Rio Pardo. De Rio Pardo partiam as incursões portuguesas nas missões contra os índios guaranis. Alguns outros fortes e destacamentos ocupados, conquistados ou erigidos pelos portugueses foram: Santa Tecla, São Martinho, Santa Maria e Cruz Alta.
Surgiu nesse período aquele que é um dos principais responsáveis pela conquista final do território missioneiro para Portugal e finalmente Brasil. José Francisco Borges do Canto (Rio Pardo, 1775 - Rio Quaraí, 1805) foi um militar e um mercenário brasileiro que teve papel fundamental na Guerra de 1801. Filho de Francisco Borges do Canto e de Eugênia Francisca de Sousa, de ascendência açoriana, serviu no Regimento dos Dragões de Rio Pardo. Após desertar do regimento, tornou-se conhecido como contrabandista. Buscando uma anistia, no início da guerra de 1801, se apresentou com 15 homens para combate e foi encarregado inicialmente de apoiar a tropa de Manuel dos Santos Pedroso Filho. Esse conflito na América do Sul, foi uma extensão do teatro de guerra europeu entre Portugal e Espanha. Conseguiu apoio de índios Guaranis na região noroeste do atual Rio Grande do Sul e, com sua tropa reforçada, partiu para a frente de batalha. Inicialmente, buscou o combate com os espanhóis em São Miguel das Missões. Tendo sido cercada, a cidade se rendeu em poucos dias, sendo sua guarnição espanhola libertada. Em seguida, conseguiu a rendição das povoações de São João e Santo Ângelo. O passo seguinte foi conquistar São Lourenço, São Luís e São Nicolau, que já estavam sendo abandonadas pela população local. O comandante espanhol, Dom Francisco Rodrigo, foi preso tentando mobilizar uma tropa perto de São Luís e foi conduzido de volta a São Miguel. Borges do Canto e Maneco Pedroso, aproveitaram o teatro de guerra para fazer pilhagens e arrebanhar o gado que eram de castelhanos que viviam no chamado Departamento de São Miguel. Ao fim daquela guerra, já mantinha toda a região das Missões a leste do rio Uruguai - as missões orientais - sob seu controle, em nome da Coroa Portuguesa. Apesar de, àquela época, a região ser esparsamente habitada e de difícil defesa, compreendia uma extensão territorial considerável, praticamente desde a barra do rio Quaraí - atual fronteira do Brasil com o Uruguai - até o início do curso médio do rio Uruguai - atualmente o noroeste gaúcho. Assim, pode-se dizer que a ação de Borges do Canto rendeu ao estado do Rio Grande do Sul aproximadamente 40% de seu território atual. Foi morto em território espanhol, em 1805, enquanto fazia uma califórnia - tipo de expedição não autorizada, comum na fronteira entre a América Espanhola e a América Portuguesa, geralmente com o objetivo de roubar gado. Borges do Canto, quase esquecido pela historiografia oficial, numa patriotada bem sucedida com seus 40 comparsas empurrou as fronteiras luso-brasileiras até às margens do Rio Uruguai, dando a configuração atual do estado do Rio Grande do Sul.
A Guerra de 1801 foi uma pressão feita pela França a Espanha para declarar guerra contra Portugal, o que aconteceu em 27 de fevereiro de 1801. Foi um conflito fronteiriço e que durou apenas três meses na Europa, no entanto coma morosidade sobre a transmissão da paz do velho continente, a guerra se estendeu até 24 de dezembro do mesmo ano nas Américas. Finalmente, o Tratado de Badajoz (1801), assinado entre Portugal e Espanha no contexto das Guerras Napoleônicas acordou a paz entre os dois países na Europa, mas não ratificou o Tratado de Santo Ildefonso. Sendo, portanto, as Missões e parte do atual Rio Grande do Sul, assegurados à Portugal por voluntários, em 1801, fixando a fronteira sul na linha Quaraí-Jaguarão-Chuí.
Aos poucos a nova área conquistada foi sendo partilhada por posseiros e sesmeiros, inicialmente por representantes da guarda nacional, como oficiais e muitos furriéis e alferes. Estas concessões de terras partiam do Comando Militar da Fronteira, sediado em São Borja. Mesmo com a definição dos territórios das missões orientais de posse a Portugal este território levou pelo menos 50 anos até ter sido ocupadas todas áreas de campo. Elas foram ocupadas principalmente por soldados e oficiais do exército, como dito antes, mas também por aventureiros açorianos e tropeiros paulistas, que agora aguardavam uma nova rota para trazer as mulas da Argentina para Sorocaba. Durante esse período foi criada em 19 de setembro de 1807 a Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul tendo como primeiro capitão-general Dom Diogo de Souza, primeiro Conde de Rio Pardo.
Mapa da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul (1809)
Como citado no início do texto, os governadores e tropeiros paulistas, sabendo da posse das Missões pelo reino de Portugal, resolveram financiar expedições com intuito de descobrir novos caminhos para a passagem do gado muar e vacum para Sorocaba, evitando os registros - praças de pedágio do governo - e reduzindo a distância e os custos da empreitada. O caminho natural, de mais fácil penetração na zona missioneira para as populações de São Paulo, Paraná e Santa Catarina é o que, depois de atingir Curitiba, Lages e os Campos de Vacaria, inflete para oeste, seguindo a lombada na Coxilha Grande. Foi a velha trilha dos indígenas e o caminho seguido pelos jesuítas em sua marcha para leste rumo ao mar. Foi ainda a rota seguida pelos sertanistas, gaudérios e contrabandistas, ao aprisionarem o gado esparso na região, após a expulsão dos jesuítas. Documentos recentes revelados nos mostram a preocupação de burlar as cobranças de contribuições ao erário real, desde 1786, quando se tratou de criar novos caminhos entre o Sul e os campos paulistas, onde as tropas alcançavam remunerações gratificantes dos riscos e trabalheiras.
É o que se verifica pela leitura do ofício que o Alferes Manuel da Fonseca Paes, comandante do registro de Santa Vitória, dirigiu ao governador da Capitania, Brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara, a 15 de março de 1786 em que diz constar lhe que em 1874 os indivíduos da Vila de Lages da Capitania de São Paulo, abriram um passo no Rio Pelotas abaixo, que estaria 14 léguas do registro de Santa Vitória. Das peripécias vencidas pelos tropeiros e dos pesados tributos então pagos, nós dão conta muitos relatos da época como este: “No dia 28 de junho de 1891, Rinaldo Silveira em companhia de 7 homens partiu da Ponta Grossa com destino a Cruz Alta, para receber uma tropa de 550 animais, comprados a 60$000 por cabeça. Gastaram na volta 56 dias para percorrer 120 léguas, passando as serranias, florestas, 12 rios caudalosos e deixaram para os cofres públicos, em 3 barreiras passadas 2:969$000".
Além disso outras expedições partiam de Rio Pardo e Cachoeira para abrir picadas até Botucaraí (Soledade), para atingir Vacaria e seguir rumo aos campos gerais do atual Paraná. Além do mais, as expedições paulistas tinham o objetivo de assegurar este território missioneiro para a coroa portuguesa, bem como defender contra os perigos das agitações na Cisplatina. O Governador da Província de São Paulo, Conde Palma, organizou pelos anos de 1810, as chamadas “guerrilhas do Sul”. Eram grupos de 60 homens armados sob comando militar que, ao longo de caminhos estratégicos, a partir do planalto paulistano, buscavam estabelecer núcleos populacionais, com base numa pequena fortaleza, geralmente localizada em pontos que pudessem dominar, pela visão, extensos horizontes. Tal precaução era assegurada pela construção de um mirante ou atalaias - uma torre de madeira, de onde o vigia vasculhava as terras em torno, prevenindo-se contra ataques de inimigos, fossem eles brancos ou aborígenes.
Nesses rústicos fortins construíam seus arranchamentos, base de futuras vilas ou cidades. Podiam, além disso, apoderar-se dos gados chimarrões, muares ou bovinos, explorar os recursos naturais encontrados, inclusive minas de metais ou pedras preciosas (grande sonho da época por si só capaz de explicar as memoráveis arrancadas exploratórias dos sertanistas), bem como, ainda, escravizar índios ou apoderar-se dos despojos de guerra que conseguissem apanhar. Um dos mais famosos fortins desse gênero foi o que recebeu justamente o nome de Atalaia localizado no Planalto de Guarapuava, Paraná, a cerca de 114 léguas ao sul da cidade de São Paulo. Daí partiram numerosas expedições exploratórias para o sul.
Dentre várias expedições podemos citar a de João Machado da Silveira (1810), Atanagildo Pinto Martins (~1815) e a de Francisco da Rocha Loures (1845).
Por volta de 1808, os primeiros moradores começaram a construção de seus ranchos nas imediações da atual Cruz Alta. A ligação com essa região se fazia de de maneiras: através da guarda de São Martinho, seguindo pelas terras do divisor de águas dos rios Uruguai e Jacuí, onde mais tarde surgiram as cidades de Júlio de Castilhos, Tupanciretã, Cruz Alta, Santa Bárbara do Sul, Carazinho, Passo Fundo, Lagoa Vermelha e Vacaria; e através das Missões, que da fronteira ligaria São Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Lourenço, São Miguel (também um outro caminho de Santo Ângelo, São João até São Miguel) e daí, pelo atual Cadeado seguia para Tupanciretã. Desta localidade infletia-se para o norte em direção à Cruz Alta, onde bifurcava-se nos rumos de Palmeira ou Passo Fundo ou para o leste, até alcançar a região dos ervais de Botucaraí, atual Soledade.
Pela guarda de São Martinho se fazia a ligação entre a região de Cruz Alta e Porto Alegre, passando obviamente por Santa Maria que na época era apenas um Oratório da Freguesia da Cachoeira em Rio Pardo, da qual se podia ligar via fluvial com a capital. A rápida ocupação das terras entre Rio Pardo e a atual Candelária, obrigou o governo a promover uma abertura que ligasse esta região com as Missões através da Serra de Botucaraí, próximo das atuais Sobradinho e Soledade.
Desta forma os moradores dos Campos de Cruz Alta e da dita Serra poderiam receber através desta ligação, os gêneros mais urgentes e necessários, entre os quais avultava-se o sal, indispensável e importantíssimo para a pecuária que ali se iniciava.
Para a abertura desta Picada de Botucaraí, assim chamada, foi escolhido o Capitão João Machado da Silveira, que obedecendo ordens do governador Dom Diogo de Souza, iniciou a empreitada no final de 1810. Cabe lembrar, que a essa época a situação política na região do Rio da Prata estava bastante conflitante e os portugueses preparavam uma intervenção armada com o fim de ocupar militarmente a estratégica Banda Oriental, fato que realmente viria a se realizar no ano seguinte.
A abertura deste caminho era, portanto, necessário também para fazer passar tropas em socorro das Missões e outras para guarnecer o Campo Novo na região de Soledade e assim reforçar a campanha do Exército Pacificador em terras de domínio espanhol.
A seguir uma transcrição romantizada pelo autor Rossano Cavallari do ofício redigido pelo Capitão João Machado da Silveira ao Governador Dom Diogo de Souza, em 14 de dezembro de 1810.
O inverno cobria com seu manto gélido, todo o território da Capitania de São Pedro. O minuano soprava intrépido e as chuvas intermitentes encharcavam por completo o solo da região da velha Rio Pardo e adjacências. O Capitão João Machado da Silveira, incumbido pelo Governador Dom Diogo, de abrir esta picada, prossegue lentamente, apesar das péssimas condições climáticas que já retardam em vários meses o trabalho de operacionalização do caminho através das margens ocidentais de sua jurisdição.
Em novembro de 1810, acantonados no chamado campo novo, Silveira e aproximadamente 40 homens, passam a explorar a região ao mesmo tempo em que rasgam a mata por riba da serra.
Uma tarefa árdua, com espigões a serem vencidos enormes pedras que devem ser quebradas, para dar vazão ao trânsito das tropas da cavalaria. Não bastassem essas dificuldades, um outro inimigo ameaça o sucesso da diligência: o ataque dos infiéis ou bugres selvagens que se espalham pelas cabeceiras do Rio Botucaraí. No dia 14 de novembro os milicianos balearam alguns e aprisionaram outros; no dia seguinte repeliram dois ataques e na noite do dia 18, sob o olhar das estrelas da madrugada, inúmeros fachos de fogo aproximam-se sorrateiros do acampamento, preparando um novo cerco.
Em questão de minutos as tochas acesas voam, jogadas pelos atacantes, caindo nas proximidades do capim-ao-pé que seria usado para a cobertura dos ranchos de pau-a-pique provisórios e que serviriam de guarita aos soldados, mas a sentinelas atentas afastam o perigo destroçando os focos de incêndio. Segue-se um alarde de tiros e ao mesmo tempo, contrapondo-se ao barulho, caem centenas de flechas em silêncio, à semelhança de mísseis numa moderna guerra. Braços e pernas são trespassados. Com a munição escassa há vários dias, gritou-se o cessar-fogo e ao toque da caixa, as hostilidades entraram em calmaria. A retirada dos atacantes foi anunciada pelo nostálgico som de uma Trombeta, que ao longe se fez ouvir pelo meio da densa mataria.
Passam-se alguns dias e os homens, embrenhados pela mata, prosseguem com suas funções já pelas cabeceiras do Rio Jacuí. No comando de um grupo, o cabo Vicente Nunes localiza o pouso dos bugres e planeja atacá-los de madrugada, mas cinquenta destes índios antecipam-se e um novo confronto arma-se inevitável. O encontro cara-a-cara evidencia uma nova descarga de chumbo cruel e violenta, sendo que, os primeiros a tombar foram dois caciques não muito distante vários outros índios caem... a morte cavalgando com sua inconfundível silhueta observa, parecendo gostar dos rastros de sangue que ficam pelo caminho misturando-se à terra. São as marcas do homem, que no decurso da história permearam de violência seus atos de conquistas e explorações, ao preço de muitas vidas...
No dia seguinte, continuando a marcha, deram em uma estrada, tão seguida quem em partes tem palmo de fundo e que pelo seu caminho por onde foram, encontraram trinta e sete fogões em distância de oito ou dez quadras, e ouviram tocar trombetas, latidos de cães e choro de muitas crianças; como já fosse noite, procuraram lugar para pousar, descobrindo então lagos ou tanques com cestos de pinhão dentro e muitos outros por fora deles, já vazios. Dali se retiraram e pernoitaram no meio de um taquaral, passando a noite com armas nas mãos...
Depois de vários dias; de campos, matas, veredas e muitas léguas vencidas, resultam na exaustão dos homens, que finalmente alcançam a Estrada das Carretas, caminho utilizado desde a presença jesuítica das Missões para o escoamento das cargas de erva-mate, colhidas na região de Soledade e como se sabe, produto vital para a economia missioneira.
O Capitão Silveira, ciente de que as tropas da cavalaria teriam passagem franca para os ditos povos, percorre ainda trechos deste caminho, permanecendo no local vários dias, até achar-se em condições de retornar. Na correspondência que envia aos superiores, conta que adiante pela referida estrada que vai para as Missões, no lugar onde eles chamam a Cruz, se acham coisa de quarenta éguas que dizem ser do Alferes de Milícias André Ferreira de Andrade, as quais estão todas gordas e cento e tantos animais cavalares que levei magros e engordaram no pequeno espaço de um mês, apesar de serem montados todos os dias...
A abertura desta picada proporcionou um fluxo maior de pessoas provenientes do Baixo Jacuí, que migraram para esta região e iniciaram o povoamento dos campos. Por outro lado, a expedição de Atanagildo Pinto Martins que partiu do Paraná em fins de 1815, alcançando São Borja no dia 17 de abril de 1816, representou também um aumento do fluxo migratório para a região do Planalto Médio, de inúmeros pioneiros lindos daquelas bandas de Guarapuava, Castro, Lapa, Curitiba, e cidades paulistas, que por um desvio da tradicional rota de Lages, Santa Catarina, chegaram ao Rio Grande do Sul.
Desviando de Lages e Curitibanos, Atanagildo descobriu de fato um novo caminho ao atravessar os chamados Campos Novos em Santa Catarina e dali, após cruzar o Rio Uruguai por um novo passo chamado Pontão, depois da junção dos rios Pelotas e Canoas, chegou então aos campos da Vacaria até atingir a Estrada das Missões. Por Ela, percorreu a região do Planalto Médio, passando pelos campos das futuras Passo Fundo e Cruz Alta, até chegar ao destacamento de São Borja, como mostra o documento escrito pelo comandante daquela fronteira, Francisco das Chagas Santos datado de 30 de maio de 1816 e endereçada ao Marquês de Alegrete, após tomar um detalhado depoimento de Atanagildo e seus comandados assim que a expedição chegou ao objetivo final. Neste relatório, se concluiu terem de fato transposto o Rio Uruguai por um novo passo e que foram desviados os campos de Curitibanos e Lages. Abaixo a transcrição deste documento:
Ilmo. e Exmo. Sr.
A 17 do mês passado, apresentou-se-me neste Povo o Alferes de Milícia da Capitania de São Paulo Atanagildo Pinto Martins, e me disse que ele fora encarregado de procurar trânsito para uma estrada, desde o Acampamento ou Povoação d’Atalaia (no extremo setentrional dos campos de Guarapuava e 115 léguas de caminho distante da cidade de São Paulo) para este País, conforme a ordem que recebera, e vai inclusa por cópia, do tenente-coronel Diogo Pinto d’Azevedo Portugal, Comandante em Chefe da Real Expedição e Conquista de Guarapuava; e que felizmente descobrira bom trânsito para a dita estrada na forma seguinte:
Partindo o mesmo Alferes do sobredito Acampamento da escolta, que consta da lista inclusa, seguiu para o Sudoeste por campo limpo 16 léguas até o Mato do Rio Iguaçu, ou Grande de Curitiba; cujo mato atravessou na mesma direção de Sudoeste, por espaço de 2.1/2 léguas, até chegar ao dito Iguaçu, que passou por um vau pedregoso; desde o qual prosseguiu para Leste costeando o mesmo Rio a distância de 6 léguas, por mato limpo, a ganhar um Campo por onde transitou 4.1/2 léguas até o Arroio Lajeado denominado Chopy, de cujo bosque desviando-o andou para Leste 5 léguas em campo, pelo qual seguiu mais 5.1/2 léguas no rumo de Sul até o Arroio Japecó, que passou de vau. (Este Arroio é o mesmo, que eu reconheci com o nome de Rio Caudaloso, na Expedição de Demarcação de Limites, e deságua no Uruguai acima da barra do Peperi-Guaçú 20 léguas), Deste passo em vau andou 1.1/2 légua no rumo de Sul por Campo, até um bosque limpo, que atravessou por espaço de 2.1/2 léguas na direção Sueste; e depois seguindo no rumo de Sul 3.1/2 léguas pelo mesmo mato, encontrou um Arroio (semelhante ao Japecó) que corre a Oeste para o Uruguai. Passou em canoa esse Arroio, que ao depois observou ter bom passado de vau, e seguindo para o Sul 2 léguas de mato, saiu em Campo, pelo qual transitou no mesmo rumo 2.1/4 léguas, e chegou ao Uruguai, onde fez canoa, em que passou este rio e prosseguindo no rumo de Sul por mato limpo duas léguas, encontrou um Arroio grande, que passou em Jangada, e corre para o Uruguai; continuando na mesma direção de Sul, por mato, no espaço de 1.1/2 léguas, saiu no Campo do Meio, pelo qual depois de andar 1 légua ao mesmo rumo, chegou à Estrada geral, entre esta Capitania e a de São Paulo; por cuja estrada tendo andado para Oeste 4 léguas, ou pouco mais, saiu nos Campos mais Setentrionais, e Orientais desta Província de Missões.
Se todo o terreno, assim de Campos, como dos Bosques por onde transitou nesta viagem o referido Alferes, é plano, e enxuto como ele diz, segue-se que podemos ter uma boa estrada, é de muita utilidade entre esta Capitania e a de São Paulo, não só porque admite o transporte de Carreta; visto que não tem Serros, nem pântanos, como pode ter de menos 60 ou 70 léguas, que o antigo ou atual Caminho.
Não deixo de notar e supor alguma equivocação no mesmo Alferes a respeito da pequena distância de 4.1/2 léguas, que ele dá entre o Uruguai, e a Estrada geral do Campo do Meio, quando este espaço não pode ser de menos de 15 léguas, conforme representa a Carta Cartográfica desta Capitania.
O referido Alferes me pediu de auxílio para o seu regresso, que o fenecesse com 2 libras de Pólvora, 8 libras de Chumbo, e 12 Reses de gado vacum; o que prontamente lhe mandei entregar, e partiu deste Povo a 23 do sobredito mês.
Deus guarde a V. Exa. muitos anos como desejo.
Quartel de São Borja, 30 de maio de 1816 de V. Exa. Ilmo. e Exmo. Sr. Marques de Alegrete o mais obediente Súdito Francisco das Chagas Santos.
A expedição de Atanagildo Pinto Martins tinha como integrantes, que se pode dizer através de um documento:
Líderes:
O Prático Antônio das Neves Ramos;
Cabo Francisco de Quadros;
Barnabé Barbosa;
Alferes Atanagildo Pinto Martins.
Soldados de linha:
Joaquim Gomes;
Guilherme José;
Salvador Rodrigues;
Américo Donaire;
José Inácio;
Manoel dos Santos.
Bugres:
Antônio José Pahy;
Jangong.
Estes homens foram escolhidos pelo próprio Atanagildo, com exceção do Prático Antônio das Neves Ramos, indicado por uma Portaria da Junta em 18 de agosto de 1815. Os demais eram o Cabo Francisco de Quadros, que pertencia à família da cunhada de Atanagildo, Luiza Maria de Quadros, casada com o irmão deste, Rodrigo Félix Martins. Bernabé Barbosa e Joaquim Gomes eram soldados de linha, a exemplo dos demais Manoel dos Santos, Salvador Rodrigues, Guilherme José, Américo Manuel, Joaquim Donaire e José Inácio, sendo estes por sua vez portugueses. Os índios Antônio José Pahy e Jongong, eficientes naquilo que lhes determinavam, obedeciam às ordens mais perigosas, principalmente este último, que apesar de implorar para que Atanagildo não dessa ordem a seguir por um desvio passando por um sertão em direção aos campos de Palmas, onde deveriam encontrar-se já no regresso da expedição, foi constrangido a cumpri-la, seguindo com outros sete companheiros; mas nunca mais apareceram. Decorridos vinte e oito anos, quando o distrito de Nonoai começou a ser regularmente povoado quando penetraram os filhos do velho Capitão Rocha Loures, encontraram bugres que foram testemunhas (talvez compartes) desta matança, que a contaram com todos os pormenores, assegurando que os corpos ficaram insepultos.
O insucesso desta expedição, quanto a abertura do caminho por onde havia planejado e que deveria alcançar as Missões (a passagem pelo passo do Goio-En no Rio Uruguai, que efetivou a abertura do novo caminho das Missões através dos Campos de Nonoai, somente seria realizada em 1845 pelo Alferes Francisco Loures, filho do Capitão Antônio Rocha Loures) este fato do desaparecimento dos homens pelo percurso pretendido, acarretou para o Alferes Atanagildo a indisposição com a Junta Real da Expedição que condenou-o e a seu procedimento, sem levar em conta as leais intenções e árduos serviços, fê-lo marchar para a fronteira Oriental onde foi incorporado à legião Paulista. Destemidamente cumpriu suas atribuições com atos de bravura, conseguindo assim, o posto de Capitão ao término da campanha na Cisplatina. Alguns anos depois, veio residir com sua numerosa família no Planalto Médio, no qual ajudou a desbravar. Estes familiares se espalharam e contribuíram na formação de novas povoações que logo prosperaram.
Para descrevermos, a expedição de Francisco Rocha Loures, devemos citar que seu pai Antonio Rocha Loures, também realizou uma excursão em meados de 1819, ou seja, quatro anos após a expedição de Atanagildo Pinto Martins, porém sem muita documentação. E citar também um ferrenho defensor de seu povo, o Kaingang Vitorino Condá e suas lutas estavam nesse contexto, ele estabeleceu alianças com autoridades de um grande território e teve influência sobre uma boa parte de lideranças Kaingang. Para continuar como uma liderança forte se utilizou repetidas vezes do recuo estratégico. Em um primeiro momento, quando de sua primeira retirada nos anos 1820, se refugiou nos campos do Pinhão. Na década de 1830, com a ocupação dos campos do Pinhão pelos fazendeiros, Vitorino Condá retira-se para os campos de Palmas. Nos anos 1840 mais uma vez, com o avanço sobre esses pastos, premido pela ambição dos fazendeiros, retirou-se para os campos próximos ao rio Chopin e Chapecó, e em 1845 vai viver uma experiência significativa em sua trajetória de vida, uma longa caminhada em direção à província de São Pedro, com a missão de fazer um "picadão" entre Palmas e Cruz Alta, o chamado "novo caminho de tropas do Sul", a estrada para as Missões.
Nessa missão o acompanharia, com função de comando, um conhecido de infância, Francisco Ferreira da Rocha Loures. Os dois cresceram juntos na freguesia de Guarapuava, um como filho do comandante da companhia de milicianos, e principal mandatário na região - o capitão Antonio da Rocha Loures, o outro como menino índio aldeado. Para ter êxito, a missão deveria conseguir um salvo-conduto pelos campos e terras indígenas. Toda a região desde os campos de Palmas até a vila de Cruz Alta na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul era ainda morada de grupos indígenas considerados hostis pelos povoadores. Esse salvo-conduto, permitindo a abertura do novo caminho, abrindo um novo passo pelo Goyo-En, nos chamados Campos de Nonohay, era uma tarefa que só poderia ser executada com a ajuda de Vitorino Condá, dado o prestígio que detinha junto aos aliados nessa região.
Segundo José Joaquim Pinto Bandeira em seu “Notícias da descoberta dos Campos de Palmas”, de 1851:
“Era o Senhor Rocha Loures o homem mais apropriado para esta empresa: porquanto habitando na sua infância em Guarapuava em companhia de seu pai o Capitão Antonio da Rocha Loures, efectivo comandante daquelle presídio, teve ali conhecimento com o índio Condá, também menino que, depois rettraindo-se aos bosques, se tornou formidável e temido entre os seus; e aquella amizade de infância fez com que o Indio se oferecesse em acompanhá-lo na expedição, cujo perigo se previa, e a segurança do Indio lhe fazia desprezar, ahi se reconheceu o império que o índio exercia sobre os mais chefes, que apresentando-se em atitude hostil nos campos de Nonohay, sua voz a bem de seu amigo, foi bastante para os desarmar, e franquearem-le a passagem; a isto e a um pouco de conhecimento que tem o Senhor Rocha da língua dos Indios, se deve o estarem hoje esses selvagens menos ferozes e mais socegados; menor parte não teve n'este negocio o Exm. Sr Conde de Caxias, então Presidente da Província do Rio Grande do Sul, que apenas ouviu a relação do Sr Rocha, não poupou meios nem fadigas afim de aproveitar o ensejo, que se lhe apresentava, de mandar por elle mesmo distribuir pelos Indios, roupa e ferramentas próprias a seus usos, além de muitas e acertadas providencias, de sorte que hoje se acham acommodados, e entregues à direccção de dous missionarios; e por isso tem cessado aquelles horrorosos factos, tão freqüentes, que enchiam de terror aos comerciantes de animais”.
A confirmação dessa aventura aparece em um manuscrito escrito por Francisco Ferreira da Rocha Loures que foi encontrado sem assinatura, nos documentos sobre Palmas e Guarapuava no Arquivo Público do Estado de São Paulo, onde relata quando começou e terminou de abrir o "picadão", cruzando o passo do Goyo-En, e saindo na Vila de Cruz Alta, até o encontro em Porto Alegre com o presidente da província, o Conde de Caxias:
“Por Portaria dessa Presidencia dactada de 5 de Agosto de 1844 fui imcumbido de abrir um picadão que partindo da freguesia da Ponta Grossa passando pelos Campos de Palmas em direcção a Villa da Cruz Alta, communicasse esta Provincia com a do Rio Grande do Sul, mandando-se-me dar nessa dacta aquantia de hum conto déreis para esse fim. Encetei esse trabalho, e no fim de três meses sahi na Villa de Cruz Alta, com o picadão, e dáli pasei-me a Porto alegre, pelas solicitações que fez a Presidencia dáquella Província pude obter do exmo senhor Conde de Caxias mais hum conto e duzentos mil reis para esse fim, encarregando-me nessa ocasião o mesmo exmo Sr de diversos objectos para distribuir com os Indios do Goyo-En, comissão esta arriscadíssima e que tive a fortuna de dezimpenhar”.
Essa longa jornada, que em julho de 1845 o fez sair de Ponta Grossa e chegar a Porto Alegre, depois retornar até os campos de Palmas, era para a época tarefa das mais difíceis. Levavam-se meses ou anos e corria-se risco de vida na tentativa. Uma viagem dessas, com certeza, fez acentuar os vínculos de aliança entre Condá e Francisco da Rocha Loures, que anos mais tarde, após a criação da província do Paraná, ocuparia o cargo de Diretor Geral dos Índios. Como resultado do encontro político com o Conde de Caxias, o aldeamento de Nonohay na província de São Pedro vai estar sob a responsabilidade de João Cypriano da Rocha Loures, irmão de Francisco Ferreira da Rocha Loures, que acompanhara Condá e Francisco na aventura até Porto Alegre. Vitorino Condá será nomeado como Capitão dos Índios. Em contato com lideranças da província vizinha de São Pedro, Vitorino Condá manteve então domínio sobre uma grande população indígena, viveu uma década em Nonohay, em terras da lendária liderança do velho Nonohay, e, após esse período, mais uma vez se serviria do recuo para os campos próximos ao rio Chapecó.
Essa experiência, em Porto Alegre, capital de província, que implicou diálogo com seu presidente, o Conde de Caxias, foi significativa na vida do Kaingang Vitorino Condá, que assim iniciava suas relações diplomáticas com os governos do Império (Condá falava o português). Muitas dessas discussões diplomáticas estavam vinculadas a uma questão vital para seu povo: as terras que lhes pertenciam.
Como viu-se nas narrativas acima sobre as expedições militares de prospecção de trânsito da região missioneira, ambas se depararam com uma estrada que já era utilizada pelos índios guaranis para coleta dos ervais de Botucaraí e transporte até os cabildos e dali para Buenos Aires pelo Rio Uruguai. Mas essa estrada de carretas já era conhecida pelos paulistas de Lages como podemos ver pela carta que o Capitão-Mor de Lages Bento do Amaral Gurgel Annes ou Bento Ribeiro do Amaral escreveu para seus superior.
"Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor, Sendo a creação d'esta villa erigida a 22 annos so compõe-se athe o prezente com 16 cazas, das quaes 9 se achão com moradores, e 7 estão feixadas. E da certidão do Reverendo Paroco desta Villa Vossa Excelência verâ, que entre mulheres, escravos, agregados, velhos, adultos, e Meninos So se achão 456 pessoas de confição; e que os adultos são somente 125; dos quaes nunca pude prontificar quarenta Pessoas capazes para as deligencias de Rebater os Gentios, quando nos assaltão. E pela falta, que ha, de gente servem os cargos de Juizes, e vereadores huns parentes dos outros. E alguns ja tem servido dous annos sucessivos; e outros so tem descansado hum anno. E neste prezente anno se acha exercendo o cargo de juiz hum, que não sabe ler, e apenas sabe se assignar; como tudo consta da certidão, que a Vossa Excelência ofereço do Escrivam da Camara: do que pode Vossa Excelência collegir o deploravel estado desta Villa, cujos habitadores so excogitão os meios de venderem suas Fazendas, e Sítios, para poderem sahir deste Sertão tão aspero, e combatido de Gentios a viverem mais suavemente noutros continentes de melhor socego, e utilidade sem que as minhas persuações possão desvanecer-lhes seos intentos. Estas Semelhantes Reprezentações ja fiz ao Illustríssimo Anteccessor de Vossa Excelência. o qual deo a providencia de mandar hum Destacamento de 20 Soldados ordenando-me que reprezentasse a Vossa Excelência que estava a chegar: como Vossa Excelência pode ver da copia, que remetto. E parecendo-me que depois de se afugentarem os Bugres, e se abrir o caminho para Santa Catharina concorreria mais Povo a povoar este Sertão, deixei de recorrer a Vossa Excelência. Porem como estou desenganado que nunca Serâ povoado Sem o poderoso braço de Vossa Excelência cooperar; e como tãobem vejo as precauçoens do continente do Sul de Viamão, e ser esta Fronteira das Lagens de igual perigo, e tão importante precaver, e povoar se como a mesma Fronteira do Sul: faço esta representação a Vossa Excelência do estado, e decadencia, em que se acha esta villa; pois certamente seria eu responsavel a Vossa Excelência e a Nossa Soberana se acontecer em algum tempo critico de Guerra tomarem os Espanhóes esta Fronteira por eu não ter Reprezentado a Vossa Excelência este perigo, e a pouca gente que a povoa. Nessa cidade ha de Vossa Excelência achar muitas pessoas de quem melhormente se possa informar da distancia de Missoens a estes continentes de Vacaria, Sima da Serra, e Lagens: e tãobem da planície, e facilidade do caminho; cuja estrada he tão suave, e sem obstaculo, que por ella transitavão carretas, quando Sima da Serra, Vaccaria e Lagens eram povoados daquelle Povo de Missões; e inda athe agora se achão os vestígios, e Rodado das carretas; e pelo mesmo Caminho facilmente podemos ser invadidos do inimigo Espanhol. E se assim acontecer certifico a Vossa Excelência que he muito difficil, ou impossível expulsar aos inimigos, por que todos os nossos caminhos de Viamão, Laguna, Santa Catharina, e do Sertão de Santo Antonio da Lapa por onde lhes quizessemos combater, são serras, e Sertoens de Matos investigaveis, em cujas Entradas huma pequena escolta de Soldados podem disbaratar o mayor exercito. E ficarâ então impedido o grande comércio de animaes do Sul, em que Sua Magestade percebe as utilidades de 5°' (quintos) avultados, que Vossa Excelência não ignora. Como tãobem ficarão cessando as Boyadas, e Tropas de Bestas, e Cavalos de que muito dependem as tres Capitanias de S. Paulo, de Minas, e do Rio de Janeiro ficando todo o Viamão desta sorte sitiado, e frustrados os Regimentos, que o guarnecem apezar de toda a vigilancia. Eu a 32 annos encontrei na Vaccaria huns Indios que vinhão fugitivos de Missões, os quaes trazião suas Famílias, e bastimentos em carretas, e hião pela estrada geral a procurar Viamão, e com a mesma facilidade podemos ser accometidos. O Illustrissimo e Excelentíssimo Senhor Francisco da Cunha a quem pessoalmente reprezentei a decadencia desta Villa, me ordenou que na minha retirada elleges-se hum Lugar suficiente para se fazer mais huma Povoação neste Continente, tão grande era o seo fervor de querer povoar este Sertão; porem antes que eu acabasse a viagem ja chegou lhe sucessor. E pertendia mandar 50 Indios com ferramentas tirando se Repartidamente de cada huma das Aldeyas para virem plantar milho, e feijão para os cazaes, que havia mandar os quaes pertendia Remetter de villa em villa pelos seos Respectivos Comandantes tirando se de cada huma das villas e Freguesias a porporção da gente, que tivessem; porque em algumas superabunda o Povo, e vivem nellas oprimidos, e sem estabelecimentos; como são Sorocaba, Itú, Jundiahy, Guaratinguetá, Taubate, Mogy das Cruzes, Parnaiba, e Curityba. E tãobem pertendia guarnecer de Tropa militar esta Fronteira não so para subjugar os facinorosos, e levantados, como tãobem para animar este Povo, e Rebater os Gentios com os auxiliares que houvessem nesta villa. Porem Vossa Excelência com o seo alto dicernimento providenciarâ como melhor intender pondo os olhos com Paternal piedade nesta Povoação tão decadecadente, e importante a Sua Magestade. He quanto se me oferece pôr na Respeitavel prezença de Vossa Excelência para determinar o que for de seo mayor agrado.
Deos guarde a Vossa Excelência muitos annos.
Villa das Lagens 26 de 7br° ['Setembro] de 1791.
De Vossa Excelência O mais Reverente súbdito Bento do Amaral Gel Annes."
Tanto Atanagildo Pinto Martins, quanto o capitão João Machado da Silveira em suas incursões pelas terras de Cruz Alta, ao passarem pela encruzilhada da Cruz na atual Benjamin Nott, certamente pisaram em terras de Antônio Moreira da Silva, talvez o mais antigo morador a se radicar em Cruz Alta. Não se tem maiores detalhes a seu respeito, mas foi citado pelo relato do padre José de Noronha Nápoles Massa, ocasião em que detalhou a formação histórica da região:
“Devido às constantes ameaças dos índios na região da atual cidade os primeiros moradores do local demoveram o plano da nova povoação, para uma localidade hoje encravada nos Campos do cidadão Antônio Moreira, duas léguas de distância desta Vila, ao sul da mesma, em um ponto onde é tradição que os jesuítas haviam fundado uma capela ao Menino Jesus, da qual, como da Cruz fronteira à porta da mesma, apenas já restavam vestígios.”
Por outro lado, acreditamos que a posse das terras dos chamados Campos de São Miguel, comprados em 1808 ao cabildo do Povo de São João Batista, constituía de fato na posse mais antiga legalmente constituída no território cruz-altense.
Estes Campos de São Miguel abrangiam uma grande região compreendida entre os rios Ivaí e Ingaí, fazendo fundos com o Rio Jacuí. Seus primeiros proprietários foram: Francisco Alexandrino Freire, que adquiriu suas terras em 18 de julho de 1808, porém, no mesmo dia passou os direitos sobre a terra ao Furriel do Regimento de Dragões de Rio Pardo, Ricardo Antônio de Melo, que era casado com dona Felicidade Perpétua de Borba, pais do futuro Coronel Antônio de Melo Albuquerque, o Melo Manso.
Neste mesmo ano de 1808, antes, talvez de todos os proprietários anteriores, José Joaquim Batista, procedente da Vacaria comprara suas terras do cabildo do Povo de São João em uma área que iria constituir a Fazenda Boa Vista, à nordeste da fazenda Santo Isidro e estendendo-se à direita do Rio Jacuí. No dia 20 de janeiro de 1810, Joaquim José de Toledo comprou as terras de Ricardo Antônio de Melo, estabelecendo-se no mesmo local que o antigo proprietário, mas foi obrigado a mudar-se para alguns quilômetros adiante, devido às perseguições que sofria dos bugres. Habitou então, junto a um Arroio entre os rios Ingaí e Ibrajaperó, ainda nestes Campos de São Miguel, em 1814, Vidal José do Pilar ocupou campos entre os rios Ivaí é Ingaí e no dia 25 de novembro de 1815 comprou parte das terras pertencentes a Joaquim José de Toledo, numa área que constituía o Rincão do Pessegueirinho.
Ainda por volta de 1815, Toledo vende mais uma área de terra, desta vez para José Rodrigues Maria, abrangendo o Rincão de São Felipe, que se dividia entre um arroio que deságua no Ibrajaperó... e uma vertente que cortava o Rincão do Umbú.
José Joaquim de Toledo por sua vez, não conseguia meios para quitar seu débito referente ao valor das terras compradas a Ricardo Antônio de Melo. Vidal José do pilar cobre então esse saldo devedor e adquire essas terras por Escritura Pública lavrada em 30 de maio de 1833. No mês de outubro do mesmo ano, transfere mediante permuta esses campos à Salvador Martins de França.
Afora essas posses dos Campos de São Miguel, documentadas com razoável precisão, outros moradores assentaram seus domínios em vários pontos da região. São eles: Gabriel Rodrigues de Carvalho, apelidado de Bulcão e cujo nome verdadeiro era Gabriel Carvalho Pinto, estabeleceu-se não posse no ano de 1810. Foi dono das terras que tinham limites ao norte da primeira Capela e dos Campos que seriam a Vila e seus arredores. Com o nome de Gabriel Rodrigues, não aparece em nenhum registro paroquial, mas em 1874 quando surgiu uma demanda entre o morador Joaquim Pereira da Motta e a Câmara Municipal, a respeito de um terreno e seus limites, foram tomados os depoimentos de várias testemunhas sendo que um deles, Manoel Rodrigues de Carvalho, com 62 anos à época (nascido em 1812), havia declarado:
“...o que sabe de ciência própria, por que nasceu neste lugar e isso tem presenciado, bem como porque o pai dela, testemunha, foi dono dos campos que hoje formam o recinto da vila e seus arredores”. Isso confirma a propriedade das terras de Gabriel na atual cidade de Cruz Alta, terras aliás, que foram motivo de discórdia entre o proprietário e os novos moradores quando do período da fundação. Foi este fato, que possivelmente tenha retardado em quatro anos o processo de demarcação da Vila até que as desavenças quanto aos limites dos terrenos do rocio fossem efetivamente resolvidas pelo capitão Joaquim Tomaz da Silva Prado por volta de 1824.
Ainda pelos idos de 1810 estabeleceu-se na região do Lagoão, José Thomaz da Silva e sua esposa Matilde, sobrinha de João José de Barros. Por volta deste mesmo ano, Agostinho Soares da Silva, após vender sua propriedade na costa do Rio Ibicuí, comprou outras terras nos campos de São Pedro Tujá até o Arroio Buracos, numa área que futuramente pertenceria ao Município de Júlio de Castilhos. Nesta região, estabeleceu-se também o cidadão Antônio Moreira Paes. Um parente seu, talvez irmão, de nome Manoel Moreira Paes possuía terras abaixo do Rio Ivaí e, ao morrer, em 1859 deixou uma casa em Cruz Alta, coberta de telhas, um escravo e várias cabeças de gado. Tanto ele quanto Antônio, eram paulistas de Sorocaba.
Na margem direita do Rio Ivaí, Ana Cândida Vieira recebeu uma Sesmaria de Campos concedida em 18 de julho de 1817 pelo Governador da Província, o Marquês de Alegrete. Esta propriedade, que media 125 quadras de sesmaria (cerca de 2 léguas e meia), limitava se a Oeste com as terras do já citado Agostinho Soares da Silva, a Leste com a área comprada em 1808 por Ricardo Antônio de Melo, ao Sul com parte do campo do Capitão Carlos dos Santos Barreto, fazendo divisa com o Ivaí e ao norte com campos devolutos, Ana Cândida Vieira casou-se com o futuro Sargento-Mor Major Patrício Corrêa da Câmara, filho do primeiro Barão e Visconde de Pelotas.
O Capitão João José de Barros decidiu radicar-se em Cruz Alta, por volta de 1812, após fazer seu testamento em Santo Antônio da Patrulha em 8 de abril do mesmo ano, quando já tinha 56 anos de idade. Apossou-se de uma área ao sul das terras de José Thomaz da Silva, que era casado com sua sobrinha Matilde. Seu irmão o Alferes Antônio José de Barros veio para essa região acerca de 1818, transferindo-se de Cima da Serra (Vacaria) para terras também vizinhas a José Thomaz da Silva, ao longo da margem direita do Arroio Lagoão.
Em período anterior a 1822, estabeleceu-se na região do Arroio Corticeira, hoje Rio Fiúza, o Tenente-Coronel Joaquim Tomaz da Silva Prado, procedente de São Paulo e que adquiriu uma vasta extensão de terras, às quais povoou com milhares de cabeças de gado e muares. Seu latifúndio estendia-se por várias léguas de campo pegando os Arroios Palmeira, Alegre, da Divisa e chegando próximo a futura Palmeira das Missões.
Silva Prado, ainda insatisfeito com 5 sesmarias que já possuía em seu nome e em nome de alguns de seus filhos e tendo por outro lado, o governo indeferido petições ao restante de seus filhos, aproveitou-se das circunstâncias de ter sido nomeado Comandante do Distrito e apoderou-se de mais uma sesmaria do vizinho José Manuel da encarnação, chegado em 1822, natural de São Roque, São Paulo e vindo das bandas de Caçapava do Sul onde andava em trânsito e cujas terras requeridas em 1820 estendiam-se desde o Arroio Porongos, atual Caxambú até o Corticeira.
Ambos recorreram ao Comandante de Fronteira das Missões, Coronel João José Palmeiro, que emitiu despacho tratando Encarnação de legítimo proprietário e mandando evacuar todos os animais da propriedade, ato feito pelo próprio Silva Prado, obedecendo ordens do Comandante. Originou-se daí, uma longa questão judicial em que por fim o velho Encarnação saiu vitorioso. Não sem antes, o próprio Encarnação montar em lombo de uma mula e dirigiu-se ao Rio de Janeiro, em uma viagem de três meses, conseguir do próprio Imperador documento de posse das terras. Encarnação faleceu em 1847 em Palmeira das Missões.
Manoel Gomes de Moraes, que adquiriu por compra a estância do Lagoão, com duas léguas de campo, estabeleceu-se nesta área na época da fundação de Cruz Alta, influenciado talvez pelo conterrâneo Manuel José da Encarnação; Tristão Ferreira de Barros; Joaquim de Almeida Pires (por alcunha Joaquim da Praça); Manoel Gonçalves Terra, no Rincão de Nossa Senhora; José de Moura e Silva, ao norte da atual cidade; João Gonçalves de Almeida Laguna, desde a cidade até o Lagoão; Bernardino José Lopes, na região dos Três Capões; Antônio Machado Soares; Manuel Teixeira Boenavida, em terras desde a cidade na direção do cadeado; Manoel Esteves Veríssimo da Fonseca, o patriarca dos Veríssimos, que se estabeleceu no cadeado. Francisco Antônio Carpes, a leste da Encruzilhada ou Benjamin Nott; Fortunato Carneiro Lobo; Joaquim José de Jesus, em terras do Rincão de Nossa Senhora; Firmino de Souza Moreira, no mesmo Rincão; Joaquim Júlio da Costa Prado, entre os arroios Palmeira e Corticeira; Domingos Alves dos Santos, em terras que constituíam a antiga Estância da Conceição; Prudêncio Domingos Vieira, no Rincão de Nossa Senhora; Capitão Antônio de Souza Fagundes, na região da atual Capela do Cadeado, local em que também se radicaram Zeferino dos Santos e Bernardo José Fagundes, este o primeiro a estabelecer-se no Cadeado, em 1838, Luiz José da Silva, por volta de 1818, que ocupou sobras de campo de propriedade de Agostinho Soares da Silva, na costa do Ivaí.
Manoel Bento de Almeida, no Rincão dos Valos; Antônio Germano Teixeira, nesta mesma região; José Alexandre d’Ávila, ao sul da antiga cruz jesuítica; João Soares da Silva, nas terras entre o antigo Posto de San Tomé e a Estância Jesuítica em Tupanciretã; Antônio Fernandes Paes, na região do Espinilho; João Vieira de Alvarenga, procedente de Curitiba, chegou à região por volta de 1812 e apossou-se de um rincão de campo devoluto, vizinho as terras de Manoel Moreira Paes, mas recebeu lote da sesmaria em 1826. Suas terras já com vários ranchos construídos, foram doadas por ele para a criação do povoado chamado Povo Novo, núcleo inicial da futura Júlio de Castilhos; Cacique Batô, ao sul da antiga Estância da Conceição, local que ainda hoje conserva o nome; João Antônio Bicudo, que assentou seus domínios na costa do Guassupi, em terras que mais tarde nasceria o povoado de São Martinho.
Próximo às terras de Bicudo ao norte do Guassupi, Manuel da Rocha de Souza adquiriu a sua área em 1818; Manoel Antônio Severo, localizou suas terras na histórica Guarda de São Pedro. Mais para o sul, na Estância do Pinhal, estabeleceu-se em moradia o Guarda-Mor Francisco de Paula e Silva, o Barão de Ibicuí, pai do conhecido General Firmino de Paula e Silva, numa área superior a 400 quadras de sesmaria. Antônio de Mello Rego, estabeleceu-se em 1824, nas terras que ficaram conhecidas como Rincão dos Mellos; o Coronel Joaquim Luiz de Lima, o Barão do Inhanduí, fixou-se na margem esquerda do Rio Ijuizinho e João Lopes Gavião, do outro lado, na margem direita do mesmo rio.
Em 1818, nos campos denominados de Geribaté, estabeleceu-se Maria Inácia d’Ávila; José Macedo de Quevedos, o mais antigo morador da Costa do Rio Toropi, chegado de Sorocaba em 1802, estabeleceu-se com sua criação em terras da antiga Estância Jesuíticas São Domingos e que hoje forma o município de Quevedos. Obteve sua sesmaria do governo no dia 21 de janeiro de 1831, fazendo parte na época ao Município da Vila de Cruz Alta; Jerônimo Dornelles de Souza, segundo Firmino Costa em “A Terra de Vila Rica”, era militar e colega do general Mena Barreto, estabelecendo-se em campos devolutos no dia 18 de abril de 1802, nas terras que constituíam a Estância de Santo Antônio.
O Coronel Carlos dos Santos Mena Barreto, recebeu carta de sesmaria em 18 de fevereiro de 1823, mas sabe-se que desde 23 de março de 1803 morava na região, por meio de uma licença provisória com a concordância do Cabildo do Povo de São Lourenço. Em suas terras ficava a histórica Fazenda da Reserva da qual foi seu primeiro proprietário. Neste local nasceu ilustre político Dr. Júlio Prates de Castilhos anos mais tarde, quando a família deste comprou a área, pertencente então ao município de Cruz Alta.
Mateus Soares da Silva, irmão de Agostinho Soares da Silva, já citado anteriormente, obteve sua sesmaria em 1806, localizada entre as margens do Rio Ivaí e o Arroio Buracos. Era filho dos açorianos Manuel Pereira Soares e Mariana Silveira, casal que desembarcou no Porto dos Casais atual Porto Alegre, a bordo da nau Nossa Senhora d’Alminha em 1751.
João da Silva Machado, o Barão de Antonina, era tio de Firmino de Paula estabeleceu-se nas terras que constituem hoje o município de Santa Bárbara do Sul; Cabo Neves, em terras onde seria fundada a cidade de Passo Fundo; João Vergueiro com grande extensão de terras com cerca de 20 léguas de campo, em Sarandi; Tenente-Coronel Francisco da Silva Melo, na Estância dos Mellos, no lugar chamado Pulador, próximo a Passo Fundo.
De Passo Fundo em direção a Palmeira, destacamos o Coronel Francisco de Barros Miranda, que fixou moradia no Umbu; Chagas Demétrio em São Jacó; e nas proximidades do Rio Guarita, Florêncio Cavalheiro. Serafim de Moura Reis em Fortaleza; Joaquim Manuel de Quadros em São Miguel; Alexandre Luiz da Silva, com várias sesmarias na localidade de Tesouras; Francisco Marcondes de Quadros no Rincão da Lagoa e José Antônio de Quadros, cuja sesmaria localizava-se em Pinheiro Marcado junto ao Rio Jacuizinho, concedida em 1824.
Major Antônio Novaes Coutinho, natural de Braga em Portugal, estabeleceu-se na região da atual Palmeira das Missões onde tinha sua fazenda de criação. Foi um dos mais antigos moradores daquela localidade e vereador em Cruz Alta em 1834. Capitão Atanagildo Pinto Martins, estabeleceu-se por volta de 1825 na região da atual Santa Bárbara do Sul e cuja fazenda de mesmo nome ficava na margem direita do Rio Jacuí-Mirim. Sua propriedade fazia limite com a de seu irmão, o Alferes Rodrigo Félix Martins que se estabeleceu em campos do atual município de Carazinho, com sua fazenda localizada na costa do Jacuizinho, proximidades de Pinheiro Marcado; Francisco de Paula Pinto, também irmão de Atanagildo e Rodrigo, veio provavelmente para esta mesma região por volta de 1825; Fidélis Militão de Moura, que deve ter vindo para a região do Planalto Médio em 1823, já que no ano anterior batizou seu filho Lucidoro em Triunfo. Era sobrinho de João José de Barros e primo de Davi José do Pilar. Suas terras estavam localizadas no fundo do campo do Alferes Antônio José de Barros, também seu tio, no Rincão dos Valos.
Joaquim José de Almeida, de alcunha Ponche Verde, adquiriu terras no Belisário na época da fundação de Cruz Alta, mas acabou vendendo-as para o Capitão Manoel Cavalheiro Leitão. Em 10 de setembro de 1833, Leitão vende esses campos para o genro do Capitão Atanagildo Pinto Martins, Vítor Antônio Moreira.
Mapa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul (1822)
Muitos outros foram os primeiros portugueses que colonizaram as Missões Orientais do Uruguai, todavia, os registros paroquiais são de pouca informação dos demais, além destes ilustres e sortudos pioneiros: militares, tropeiros e funcionários públicos, que tem seus nomes escritos na história da região, e foram citados acima. A igreja não conseguiu acompanhar as campanhas militares de lusitanos e castelhanos, até porque, por óbvio, a mesma tinha influência perante os dois povos. Mas de fato, a igreja em Cruz Alta só veio a registrar seus primeiros assentos em livros paroquiais a partir de 1827, quando foi instalado o curato do Divino Espírito Santo da Cruz Alta. Antes disso, muita coisa está nas cúrias dos lugares de onde partiram os pioneiros, sem que tenhamos rastreabilidade fidedigna das origens, e em Rio Pardo, Santa Maria ou São Borja. E nas freguesias nos arredores da grande Cruz Alta. Vários outros nomes podem ser encontrados nos municípios que foram se emancipando ao longo dos séculos XIX e XX, de Cruz Alta, tais como: Santa Maria, Passo Fundo, Palmeira das Missões, Santo Ângelo, Soledade, Nonoai, Ijuí, São Luiz Gonzaga, Júlio de Castilhos, etc.
Catedral Diocesana Santo Antônio (Frederico Westphalen, RS, Brasil);
Odilon Gomes de Oliveira, Santo Augusto, de 1815/20 até 1940;
Octacilio B. Timm and Eugenio Gonzales, Album Ilustrado Do Partido Republicano Castilhista;
Catedral Diocesana do Espírito Santo (Cruz Alta, RS, Brasil);
Wilmar Campos Bindé, Campo Novo, Apontamentos para Sua História;
Claudio Nunes Pereira, Genealogia Tropeira, Vol.I - VIII;
Hemetério José Veloso da Silveira, As Missões Orientais e seu Antigos Domínios;
Mozart Pereira Soares, Santo Antônio da Palmeira;
Aristides de Moraes Gomes, Fundação e Evolução das Estâncias Serranas;
Rossano Viero Cavalari, A Gênese de Cruz Alta.
Trecho retirado do livro História da Igreja no Rio Grande do Sul, Vol. II, de Arlindo Rubert, EDIPUCRS, Porto Alegre-RS, 1998.
Diversos fazendeiros, principalmente de origem paulista, se espalharam pelo planalto central. A região pertencia à paróquia missioneira do Povo de S. João. Não muito distante da atual cidade havia uma capela arruinada, dedicada ao Menino Jesus, ainda do tempo das missões jesuítas. Houve, provavelmente, outra capela no local onde surgiu o curato e freguesia, da invocação de S. Roque, pois uma provisão de 6/7/1821 autorizava a reedificação da dita capela, que depois, a partir de 1824, foi chamada do Divino Espírito Santo e serviu longos anos de matriz”. A capela foi pedida por um requerimento dos moradores em 10/6/1821. Neste mesmo ano, a 18 de agosto, foi autorizada a medição do lugar para formar povoação 1.
A Capela Curada do Divino Espirito Santo de Cruz Alta foi ereta a 28 de janeiro de 1824 pelo Vigário Geral Cônego Antônio Vieira da Soledade. Em fins deste ano, vindo de S. Paulo com a intenção de fundar uma estância em S. Borja, com apetrechos e escravos, transitou por Cruz Alta o Pe. Antônio Pompeu Paes de Campos, o qual foi persuadido pelos moradores a ficar no lugar como cura, o que ele aquiesceu. Dirigiram-se então ao Vigário Geral em Porto Alegre expondo o caso e pedindo a respectiva provisão. Foram atendidos. O primeiro cura de Cruz Alta era filho legitimo de Antônio Pompeu Paes de Campos e Maria Alves de Menezes, abastados fazendeiros de Sorocaba, SP. Procurou logo concluir a matriz, oferecendo o trabalho de seus escravos. Alcançou a doação de uma invernada “para uso fruto seu e dos demais curas que lhe sucedessem 2. Dirigiu o curato até 1827, depois, a 10/11/1828, novamente se encontra como cura. Daqui foi transferido para S. Borja. Depois voltou para Cruz Alta sem cargo eclesiástico. Tinha uma estância no Portão. Em 1850 foi eleito vereador. Ainda em 1827 fora nomeado cura Fr. José de Santo Avertano, carmelita natural de Lisboa, mas do convento da Bahia, que teve uma trajetória acidentada. Depois de dirigir interinamente o curato, foi efetivado em 1830, deixando-o no ano seguinte. Já era octogenário. Fora cura de S. Ângelo e de S. Miguel. Veio a falecer em Cruz Alta a 17/2/1850 com 105 anos de idade.
Como o curato de Cruz Alta tinha sido ereto somente pela autoridade eclesiástica, o governo o ratificou a 1/1/1832. Depois. Pela lei de 24 de outubro de 1832 foi elevado à paróquia, sendo logo confirmada canonicamente e criada a Vara eclesiástica. O primeiro titular foi o Pe. Francisco Gonçalves Pacheco, paulista, ordenado em S. Paulo, no Convento de S. Teresa, a 31 de maio de 1828 por D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade. Foi cura de Rio Negro (1828-1831), depois de Cruz Alta (1831-1833) e também primeiro pároco e 1º vigário da Vara, cuja provisão foi renovada a 16/6/1835. A Câmara Municipal foi instalada a 4/8/1834. O Pe. Pacheco era sacerdote conceituado. Após 1835 não se sabe para onde se dirigiu, mas parece que ficou boa parte do tempo em Cruz Alta, pois a 17/10/1841 foi eleito vereador, sendo o 2º mais votado. Em 1842 tomou parte no levante de Sorocaba. Para substitui-lo veio o Pe. Rafael Gomes da Silva, natural de Castro, Paraná, ordenado a 21/12/1831 em S. Paulo. Foi primeiramente interino e logo efetivado até 1838 durante o período farroupilha, quando chegou para substituí-lo o Pe. Francisco Leite Ribeiro, natural de Itu, farrapo exaltado, provavelmente pároco cismático, que dizem ter sido assassinado por seus ardores políticos em 1843. Os livros paroquiais de 1839 a 1843 foram devorados pelas chamas. Brevemente ocupou a freguesia o bom Pe. Joaquim de Sá Soutomaior (1843-1844), cedendo o lugar ao antigo pároco Pe. Francisco Gonçalves Pacheco (1844-1851). Já em 1845 reclama junto ao governo o estado da velha matriz. Sua casa foi cedida para as reuniões da Câmara Municipal. Teve diversos coadjutores: Pe. Isidoro Gonzalez, Pe. Antônio Leite de Almeida Penteado, que serviu de pró-pároco, Pe. João Vicente Fernandes e Pe. Cândido Lucio de Almeida, todos paulistas, menos o primeiro que era espanhol. De 11 a 15 de dezembro de 1848 recebeu a visita canônica do Pe. Fidêncio José Ortiz da Silva, delegado do bispo do Rio de Janeiro, que crismou 391 pessoas. Achou a matriz funcionando na capela-mor, que está tendo aumento na frente. “obra de pouco valor”, que não vem solucionar o problema. As poucas alfaias que tem são bem usadas. Do Pe. Gonçalves Pacheco diz que “continue a praticar o desinteresse e atos de caridade para com seus fregueses, dos quais tem merecido uma boa reputação” 3. A freguesia tem cerca de 4.000 habitantes. Era muito extensa. Do Pe. Pacheco, depois de deixar a paróquia de Cruz Alta, não se colheram outras noticias. Talvez tenha voltado para São Paulo.
Um ex-franciscano da Bahia, Pe. Antônio Rodrigues da Costa, nascido a 7/7/1824 na paróquia da Conceição da Praia, ordenado a 29/8/1847, foi o novo pároco de Cruz Alta (1851-1855). Infelizmente era de pouca honestidade e se indispôs com o povo, sendo nomeado pró-pároco em 1853 o antigo cura Pe. Antônio Pompeu Paes de Campos e, no ano seguinte, o Pe. Antônio Leite de Almeida Penteado. Como os fiéis reclamassem outro pároco, houve permuta de paróquias entre ele e o Pe. José de Noronha Nápoles Massa, pároco de Piratini, sendo ambos colados. Este último nasceu em 1822 na freguesia do Ssmo. Sacramento de Itaparica, na Bahia, sendo filho legitimo de José Pereira Rabelo e Maria Rosa Nápoles Massa. Foi ordenado por D. Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia, a 30 de novembro de 1845. Depois de ser coadjutor de S. Pedro o Velho, em 1848 foi nomeado capelão do 8º Batalhão de Caçadores e veio ao Rio Grande do Sul. Aqui aceitou de ser pároco colado de Piratini (1849-1855) 4, permutando a paróquia, com autorização do governo e do bispo, com o pároco de Cruz Alta, onde paroquiou de 1855 a 1864. Era sacerdote inteligente, apreciado latinista, notável orador, educador e escritor. Publicou uma volumosa “Gramática Analítica da Língua Portuguesa”. Fundou em Cruz Alta uma Escola de instrução primária. Foi deputado da Assembléia Provincial, defendendo os interesses da Igreja. Em fins de 1863 foi para Porto Alegre, pois tinha sido nomeado Cônego do Cabido e professor do Seminário. Tendo ele e dois outros cônegos séria diferença com o bispo D. Sebastião, foram suspensos. Então, o Cônego Nápoles Massa fundou um Colégio em Porto Alegre, com internato e externato, para a educação da juventude 5. A paróquia vacante foi atendida pelo Pe. Antônio Pompeu Paes de Campos como vigário encomendado (1864-1865). Conforme uma tradição, o Pe. Pompeu veio a falecer nonagenário e pobre no Portão por volta de 1873.
Mais um ex-franciscano da Bahia entra agora como novo pároco colado por apresentação de 19/4/1865 e carta de 3 de maio seguinte. Trata-se do Pe. Custódio Joaquim da Costa, já pároco de S. Antônio da Boa Vista e pró-pároco de Alegrete. Fundou em Cruz Alta o primeiro colégio secundário. Não tratou bem a paróquia de Palmeira das Missões, da qual foi administrador. Teve um digno coadjutor no Cônego Teodósio de Almeida Leme. O Pe. Custódio veio a falecer no cargo, com os Sacramentos, a 11 de janeiro de 1871. A seguir paroquiou, por breve espaço, o Pe. Dr. José Antônio de Almeida e Silva, formado em Roma, nomeado por provisão de 21/4/1871. Autorizado pelo bispo, a 4/3/1872, permutou com o pároco de Alegrete. Este, que era o Pe. Ambrósio Amâncio de Sousa Coutinho, carioca, foi provisionado a 28/3/1872 e tomou posse a 1º de maio seguinte. Dois anos mais tarde foi transferido para S. Borja e entrou de pároco o Cônego Francisco Teodósio de Almeida Leme (1874-1876), natural de Sorocaba, transferido de Palmeira, que tomou posse a 2/8/1874 e foi também vereador da Câmara Municipal. Não se sabe se é exato que faleceu em Cruz Alta em 1876, pois não foi encontrado documento. O subsituto foi o Pe. João Francisco Alves (1876-1879), oriundo de Portugal, que foi também vereador. Comportando-se menos bem em matéria de castidade, a 15/5/1879 foi suspenso pelo bispo. Mostrando-se arrependido, foi ainda pároco de diversas freguesias. A 15/5/1879 é provisionado pároco o Pe. Aquiles Parrela Catalano (1879-1887), oriundo da Itália, mas brasileiro naturalizado, transferido de S. Sepé. Era sacerdote de muitas qualidades, estimado pelo povo e exato na escrituração paroquial 6. Uma lei provincial de 24/5/1880 desanexou da paróquia de S. Martinho o território compreendido entre o rio Ivaí e o arroio dos Buracos e o anexou à paróquia de Cruz Alta. À 10 de novembro do mesmo ano o bispo mandou que o pároco de Cruz Alta exercesse a jurisdição sobre aquele território. O Pe. Aquiles Catalano foi nomeado pároco de Santa Maria, sendo substituido pelo Pe. Rafael Santoro com posse a 17/4/1887. Era da diocese de Vallo e Capaccio, na Lucânia, Italia e é dito padre “exemplar e virtuoso” 7.
ROCHA. P. 4 História de Cruz Alta. 2'. ed., s/d, pp. 22 onde se encontra transcrito o documento.
Idem, ib., p. 25.
ACúr. RJ., Vis. Past. L. RR(1846-1849), f 13.
ANac., col. Ecl., Cx. 941, de. 13. Por essa ocasião o bispo do Rio de Janeiro D. Manuel do Monte Rodrigues de Araújo escreveu: “Eu formo bom conceito do proposto, atento a seu carácter manso e docil e aos seus costumes sãos”.
RUBERT, A. Os Padres-Mestres e o Ensino sulriograndense. S. Maria, 1980, pp. 25-27.
A 7/7/1880 o povo de Cruz Alta envia um abaixo-assinado com a firma de numerosos cidadãos e do Juiz de Direito, pedindo a permanência do “ilustrado sacerdote, não só pela sua austeridade no exercicio de sua sagrada missão, como pela moralidade de um procedimento que constitue um exemplo nos tempos calamitosos que atravessamos...” Estão felizes “debaixo da guia espiritual do virtuoso sacerdote”. O bispo, em ofício de 11/8/1880, diz que confirma o Pe. Aquiles.
RUBERT, A. Clero Secular Italiano no RGS, p. 116. Dirigiu a paróquia até 1897. Morreu repentinamente.
Segue um apanhado geral de um documento escrito em várias partes por um estrangeiro que percorreu parte do território da então província do Rio Grande do Sul. A ele foi solicitado por parte do Império do Brasil suas visões e opiniões acerca do lugar denominado Campo Novo, hoje município de mesmo nome no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Foram publicados alguns textos na Revista Trimestral do IHGB. Seus documentos foram objetos de estudo para a elaboração de um artigo intitulado: A viagem de Henrique Schutel Ambauer pela província do Rio Grande do Sul, de Valter A. Noal Filho e José Newton Cardoso Marchiori, publicado em 2013.
Natural de Milão, Enrico Schutel Ambauer nasceu em 7 de julho de 1840, filho de Mattia Ambauer e de Elisa Schutel. Muito jovem, com apenas 17 ou 18 anos, deixou a sua pátria e veio para o Brasil, empreendendo, sem demora, a viagem pelo interior da província do Rio Grande do Sul, cujo texto, ainda inédito, é objeto do presente artigo. Tomado de curiosidade incomum sobre as coisas do Rio Grande, o jovem adaptou-se rapidamente ao país e à língua portuguesa, como se pode comprovar pela qualidade textual de seu manuscrito e pelo abrasileiramento do nome de batismo com que firma sua obra: "Henrique".
Após o término da viagem, Ambauer radicou-se na cidade do Rio Grande, onde viveu por muitos anos como professor de música, sobretudo para meninas da sociedade local. A data do retorno à Europa resta à espera de definição, podendo estimar-se que ocorreu entre os anos de 1877 e 1878, uma vez que a maioria das correspondências por ele enviadas a membros da Società Geografica Italiana foram postadas no Rio Grande do Sul até 1877 e, no ano seguinte, já em Milão. Acerca do nome, não se deve confundir o personagem em foco com o seu tio Henrique Ambauer Schutel, nascido em 1805, na Suíça ou Norte da Itália, que igualmente tinha dotes musicais e viveu no Brasil, onde atuou como médico na cidade do Desterro (atual Florianópolis) e faleceu em 1885, no Rio de Janeiro. RobertAvé-Lallemant refere-se a ele como "homem de finíssima inteligência e educação", em sua preciosa Viagem pelo sul do Brasil. Além de participar "ativamente" da "vida cultural e social" da capital catarinense, esse tio tomou-se mais conhecido dos historiadores por sua participação na "Empresa Colonizadora Demaria e Schutel", responsável pela implantação da "Colônia Nova Itália", no que hoje é Nova Trento. Foi por instâncias desse tio, aliás, que Henrique Schutel Ambauer escreveu o Itinerário da Cruz Alta ao Campo Novo da provinda do Rio-Grande do Sul, relatório apresentado ao Dr. Guilherme Schuch de Capanema e publicado em 1868 na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A publicação desse artigo, por sua vez, motivou a inclusão do autor como sócio correspondente dessa renomada instituição cultural, aprovada em 11 de setembro de 1868.
Cinco anos mais tarde, despindo-se de certa autocensura que transparece na versão aproveitada pelo austero periódico, o autor reescreveu o Itinerário, ampliando-o com detalhes anteriormente omitidos e que, não raro, são até mais significativos. A respeito do novo texto, datado de 1873 e intitulado A Província do Rio Grande do Sul - Descripção e Viagens, cabe salientar que parte do manuscrito veio a lume na Revista do IHGB', restando inédito um trecho final de 172 páginas, objeto da presente publicação. Ao se comparar o teor do fragmento aproveitado pelo IHGB em 1888 com o texto inédito, ora em análise, fica patente a radical mudança de valores no lapso de tempo transcorrido. O texto impresso mostra-se de pouca utilidade nos dias de hoje, uma vez que suas exaustivas informações técnicas encontram-se, obviamente, superadas, carecendo de maior interesse até mesmo para geógrafos e outros profissionais da área. A parte ainda não publicada, ao contrário, por revelar as vivências do autor em suas andanças pelo interior do Rio Grande do Sul, garante-lhe valor permanente, justificando o interesse editorial. Ao retornar à Itália, Henrique Schutel Ambauer radicou-se em Milão e casou com Carlotta Cazzaniga, vindo a falecer na cidade natal aos 59 anos de idade, em 30 de dezembro de 1899.
Narrado em português fluente e com caligrafia de fácil leitura, o texto inédito da "Viagem" de Ambauer pelo interior do Rio Grande do Sul inclui, de início, referências ao aspecto desolador da costa litorânea da província, vista do oceano, e sobre as dificuldades enfrentadas ao transpor a "barra" do Rio Grande, informando que o percurso do Rio de Janeiro à cidade portuária gaúcha foi feito em cinco dias incompletos, em um barco da Companhia Brasileira de Paquetes a Vapor. No dia seguinte à chegada na província sulina, o viajante embarcou para Porto Alegre, em percurso que levou 22 horas devido ao forte vento do nordeste. A partir de Itapoã, ele soube apreciar os graciosos contornos do Guaíba e, ao acercar-se à cidade, comparou o seu assentamento com o de Montevidéu, pelo aclive das ruas transversais ao porto. Para o milanês, os arrabaldes eram o que Porto Alegre tinha de "mais agradável" comparado às demais cidades da província, pois "em qualquer ponto que se vá encontram-se golpes de vista verdadeiramente encantadores". Com achegada da primavera, Ambauer aceitou o convite de um "distinto cavalheiro" para seguir, com ele, rumo ao oeste da província. O início da viagem pode ser fixado entre fins de setembro e princípios de outubro de 1858, segundo indícios constantes no próprio texto, e que serão comentados em seu devido momento, na sequência. Segundo palavras do autor, que omite até mesmo o ano da viagem, ele passou "os meses de inverno em Porto Alegre" e, "quando veio a Primavera", aproveitou o convite anteriormente mencionado para conhecer a "campanha". Partem, então, em um vapor da "Companhia Jacuhy" e, tão logo se afastam da capital, cruzam por ilhas comparáveis a "jardins flutuantes", de onde se avistam diversas chácaras e quintas. A ilha do Fanfa, célebre desde a Revolução Farroupilha, não pode ser avistada naquela oportunidade devido a uma chuva que obrigou os passageiros a se retirarem do tombadilho. O jantar a bordo foi servido antes da primeira parada, nas Charqueadas, ao passarem pela foz do Arroio dos Ratos. Segundo o "uso brasileiro", os criados "colocaram todas as iguarias sobre a mesa, acumulando os doces e a fruta". Depois da sopa, "cada um serve-se à vontade do que lhe agrada, havendo, então, ocasião de observar os gostos mais disparatados". A viagem continua rio acima e logo encontram a vila de São Jerônimo, para a qual Ambauer antevê certa opulência e riqueza, caso se desenvolva a exploração carbonífera. No lado oposto ao Jacuí, junto à foz do Taquari, ele pode conhecer a vila do Triunfo, decadente desde a "época da revolução" e cuja importância foi lhe roubada por São Jerônimo. Aos olhos do viajante, o casario de Triunfo conservava bom aspecto, apesar de abandonado. Neste ponto do manuscrito e em outro, logo adiante, o autor interrompe a narrativa para reproduzir transcrições de dois trabalhos de Ângelo Cassapi, o primeiro sobre Geologia e Mineralogia e outro, mais extenso, sobre as cachoeiras do rio Jacuí. Natural da Itália, como ele, Cassapi foi um dos primeiros a realizar experiências com o carvão extraído em diferentes pontos do Rio Grande do Sul, testando seu potencial combustível em um navio de guerra. Ambauer retoma a narrativa ao partirem, quase ao anoitecer. Às 22 horas, uma nova parada, em Santo Amaro, para o desembarque de passageiros. Neste momento o autor comenta sobre a decadência da vila, as dificuldades de navegação a partir desse ponto, as interferências necessárias para sanar tais obstáculos e os benefícios da construção de uma projetada estrada de ferro no vale do Jacuí. Depois de Santo Amaro, o barco costeou a ilha do Curral Alto pelo canal do Furado e, durante a madrugada, deteve-se na "Estância dos Dourados" para o embarque de lenha. Alguns passageiros, munidos de espingardas, aproveitaram a oportunidade para abater aves para o almoço. Após 23 horas de percurso, desde a capital, o viajante chegou a Rio Pardo, cidade definida como "muito regular em suas ruas, menos algumas que são truncadas". Ele não encontrou "a menor beleza arquitetônica" na igreja matriz, tida como uma das maiores da província, bem como nas capelas de São Francisco e do Senhor dos Passos, descritas como "de pouca aparência". Em Rio Pardo, Ambauer foi apresentado ao Barão do Triunfo, que lhe propiciou excelente acolhida, e veio a conhecer o padre Filippo Isnardi22, "homem sumamente ilustrado", que dispunha de todo o tempo disponível para "estudos de história natural". Italiano, de Savona, esse religioso atuou no Rio Grande do Sul inicialmente em Soledade e, em 1857, assumiu em Rio Pardo. Como em outubro de 1858 ele foi transferido para a paróquia de Lavras, o registro deste encontro reforça a fixação da data de viagem de Ambauer entre fins de setembro e início de outubro de 1858. De Rio Pardo, o autor seguiu rio acima, não podendo avistar as diversas cachoeiras existentes por estarem submersas. Embora tenha realizado o trajeto fluvial de 18 léguas até Cachoeira, Ambauer informa que para ali convergiam dois caminhos vindos de Rio Pardo: a "Estrada Real", mais ao norte, pelo cume das coxilhas, passando pelo lugarejo denominado Cruz Alta (antigo distrito que hoje chamasse Bexiga) e por uma sólida ponte de pedra, em trajeto de doze léguas; e outro mais ao sul, cortando banhados da várzea do Jacuí, com nove léguas. O porto de Cachoeira foi alcançado após o término do jantar, em doze horas de viagem a partir de Rio Pardo. Entusiasticamente recebidos por amigos de seu companheiro de viagem, eles subiram a ladeira em um "ômnibus", que os conduziu à vila. Do alto, no Cemitério das Irmandades, ele pode desfrutar de extenso panorama para o oeste, com a cachoeira do Fandango e, mais ao longe, a súbita curva do Jacuí. A respeito da vila, o milanês anotou algumas ruas bem alinhadas, mas não viu edifício algum que lhe chamasse a atenção.
Como já fizera com a vila de Taquari e a colônia Santa Cruz, o cronista dedicou alguns parágrafos a observações sobre outros lugares não visitados. Foi, no entanto, invariavelmente preciso. Assim, ao comentar que de Cachoeira partia uma estrada para o sul, atravessando o passo do Seringa, rumo às vilas de Caçapava e São Sepé, aproveitou para descrever sumariamente as duas localidades, destacando que na primeira iniciara, há pouco, a exploração aurífera. O mesmo procedeu com a cidade de São Gabriel, que das três citadas informa ser a mais importante como centro comercial da Campanha, e com a colônia alemã de Santo Ângelo (atual município de Agudo), recentemente implantada. Apesar da fertilidade de suas terras, Ambauer atribuiu o escasso progresso da Colônia Santo Ângelo ao isolamento, antevendo uma rápida alteração desse quadro se o traçado da projetada ferrovia viesse a atender a colônia e outras localidades situadas na várzea do Jacuí. Por sua vez, a referência do autor às dificuldades enfrentadas pelos agricultores no escoamento da produção também permite balizar a época da viagem: ela só pode ter acontecido na primavera de 1858, pois o início do povoamento dessa colônia deu-se em 16 de novembro de 1857. Sobre este ponto, pode-se acrescentar que em março do ano seguinte, quando Avé-Lallemant por ali passou, deixou registrado em sua obra de viagem que a instalação da colônia recém havia iniciado. A partir de Cachoeira, a viagem seguiu por terra. Acompanhado, agora, por três novos parceiros - um amigo, negociante em Porto Alegre, que encontrara em Cachoeira, e dois peões que carregavam as malas e conduziam os cavalos para as frequentes mudas, Ambauer tomou o rumo de Santa Maria da Boca do Monte. Cerca de uma légua ao norte de Cachoeira, a estrada entronca-se com a que vem de Rio Pardo e segue para oeste, em direção ao passo de São Lourenço. Outro ramal vai inicialmente para o norte e, seguindo terras mais elevadas, descreve uma grande volta até alcançar o Passo Real do Jacuí. Conhecedores da região, todavia, os peões escolheram um atalho que, atravessando banhados na várzea, levou os viajantes a precisarem encolher as pernas, por diversas vezes, para não as molhar. Conforme registro textual, o "bom humor" de seu "companheiro de viagem e as canções dos peões" conseguiram distrair o viajante do "desgosto desse contratempo". Entre Cachoeira e o Passo Real do Jacuí, Ambauer viu casas esparsas e de aspecto paupérrimo, a maioria cobertas de palha, observando ser comum na época das cheias os seus moradores resultarem ilhados, privados dos recursos mais elementares. Após sete horas de percurso, a caravana chegou ao passo, mas não foi possível vadeá-lo prontamente, pois a travessia morosa de algumas carretas que ali se encontravam ainda demandou algumas horas. No local já se via uma fileira de oito pilares de pedra emergindo da água, de margem a margem.
Ao indagarem as razões pelas quais a ponte não fora concluída, foi-lhes dito que o governo provincial avaliara não serem os pilares suficientemente fortes. Ironicamente, transcorridos mais de 150 anos da viagem de Ambauer, os pilares permanecem incólumes, em sua posição original. A travessia foi realizada em uma flotilha de canoas pelo "velho Alexandre Moreira", que detinha, por contrato, o privilégio exclusivo de passagem. O ponto era bem conhecido na época e Alexandre ali se havia estabelecido desde 1843, pelo menos, segundo indicação colhida no Mappa da Provincia de S. Pedro do Sul, e terrenos adjacentes das províncias limítrofes, publicado por Antonio Ruiz de Araújo no ano indicado. Ao transporem o rio Jacuí, um dos cavalos conduzido a reboque, preso pelas rédeas, foi levado pela força da correnteza, arrastando a canoa e pondo em perigo ao "teimoso peão". Junto ao passo já existiam algumas casas e o viajante observou que o número delas tendia a aumentar, por ser esta passagem a preferida pelos viajantes que se encaminhavam ao oeste da Província. A partir do rio Jacuí, avestruzes34 e seriemas35 passaram a ser encontradas com frequência, mas elas fugiam lépidas com a aproximação dos viajantes.
Logo adiante, quase foram envolvidos em uma peleia ao pararem em uma venda, pelo simples fato de um companheiro ter recusado o convite para beber "aguardente" com os "carreteiros" que se encontravam "junto ao balcão". O gesto foi interpretado como "insolência" e um dos carreteiros proferiu "várias palavras grosseiras" ao companheiro de viagem que, "pouco habituado a isto, deu-lhe um soco que o estendeu ao chão". Segundo registro de Ambauer, foi necessária a sua intervenção "para que não houvesse sangue", resolvendo-se o problema com o oferecimento de uma "garrafa de vinho do porto aos carreteiros" que, enfim, se acalmaram. Seguindo viagem, passaram pelo lugarejo conhecido por Enforcados, onde havia "uma casa de negócio e outras de moradia". Cabe notar que a localidade, conforme o Mappa da província de San Pedro, que acompanha os Annaes da Provincia de S.Pedro, do Visconde de São Leopoldo, fica no lado oposto do Jacuí e mais perto de Cachoeira, portanto. A explicação para esse equívoco pode ser atribuído, contudo, ao longo intervalo de tempo entre a realização da viagem e a redação do manuscrito. Retomando a viagem, o grupo passou pela "Restinga Seca", por um cemitério cercado no meio do campo e pelo "Arroio do Sol", local em que havia uma venda de aspecto miserável.
Cumpre notar que o último ponto corresponde ao atual "Arroio do Só", sede de um distrito do município de Santa Maria. No "Arroio do Sol", como o proprietário da venda negou-lhes pouso, pernoitaram ao relento. Os peões acenderam o fogo e estenderam os arreios. Para Ambauer, que pela primeira vez dormia em campo aberto, a experiência deixou fortes impressões, pelo tom triste e lúgubre da noite, em que o silêncio "era a cada momento interrompido por um grito estranho" ou "lamento prolongado". Mais um dia pela frente: a pouca distância de Santa Maria, interromperam a jornada para sestear antes do almoço, de modo que já era noite quando entraram na vila, parando frente à casa do Coronel Valença. Muito hospitaleiro, o "ilustre coronel" convidou-os para juntar-se à ceia que, segundo o cronista, teve "vinte e duas pessoas estranhas à família". Isolina, a "graciosa filha do anfitrião", fez as "honras da casa", costume anotado pelo cronista como "estranho" aos hábitos da "campanha", uma vez que a família somente aparece em visitas de "parentes" ou "famílias de sua relação". Às dez horas da noite "cada um retirou-se ao aposento que lhe tinham destinado", encontrando-se, como de costume, "camas mui asseadas e preparadas com lençóis bordados e cheios de rendas". No dia seguinte, bem cedo, Ambauer saiu para conhecer a vila de Santa Maria. Revela que grande parte da população era composta por alemães ou seus descendentes, que principiava o surgimento de pequenas indústrias e que o local era ponto de entroncamento de estradas para diversas partes da Província. Na madrugada seguinte partiram em direção norte, pela estrada do Pinhal (estrada do perau), que atravessa o rebordo do Planalto Meridional e, no alto, chega à Colônia Kroeff, no atual sítio urbano de Itaara. Sete ou oito léguas mais adiante, os viajantes passaram pelo "grande arraial" de Tupanciretã e, na sequência, encontraram tropeiros paulistas que conduziam mulas para a "feira de Curitiba". Quase à noite, aproximaram-se do lugar conhecido por Espinilho, sendo bem recebidos na venda de um italiano, onde puderam secar as roupas molhadas por uma tempestade. Tendo partido cedo, na manhã seguinte, às dez horas da manhã os viajantes alcançaram a vila de Cruz Alta, apeando à porta da casa de negócio de Santhiago Gandulfo, um italiano que havia enriquecido no comércio e cuja casa era um tipo de "hospedaria gratuita" dos "viandantes", uma vez que sua mesa reunia "o peão de tropa e o patrão, o oficial graduado e o soldado raso, o eleitor ou o deputado ao lado do mais ínfimo votante". Tendo permanecido três dias em Cruz Alta, Ambauer informa que a vila se constitui de uma grande rua (antiga estrada das carretas) que desemboca na praça da igreja e outras paralelas, com poucas edificações.
O cronista atribui-lhe certa importância comercial, como centro de convergência da produção dos ervais e local de passagem das "tropas de mulas" para a província de São Paulo. Com mau tempo, cinco léguas adiante de Cruz Alta os viajantes pararam para pouso na Estância do Lagoão (a estância do Lagoão pertenceu, inicialmente, à família de Athanagildo Pinto Martins, que chegou naquelas plagas em 1825), ao norte do arroio de mesmo nome. Ao amanhecer, apesar do convite do proprietário para que aguardassem em sua casa até o tempo melhorar, eles decidiram prosseguir, enfrentando um "chuvisqueiro que caia açoitado pelo vento" e penetrava no "poncho e roupa" que tinham por baixo, enregelando "até os ossos". O terreno argiloso tomou-se escorregadio (solo vermelho da região torna escorregadio quando molhado), provocando a queda do cavalo de Arnbauer. Sem ferimento, ele montou novamente e o grupo seguiu até Porongos, uma légua adiante. Situada quase em frente à estância de Athanagildo Pinto Martins, foi em Porongos que se deu um importante combate da Guerra dos Farrapos, no dia 07 de junho de 1837, entre as forças imperiais da Leal Divisão Cruz Altense, comandada por Vidal José do Pilar e Antonio de Mello Albuquerque, o "Mello Manso", e as forças de Bento Manoel Ribeiro, que estava conferenciando com Rodrigo Felix Martins (irmão de Athanagildo). Mesmo ferido, Bento Manoel protagonizou uma fuga espetacular no lombo de um cavalo, escapando da refrega. No local havia cinco ou seis casas de aspecto paupérrimo, entre as quais duas vendas. "Entramos em uma delas e pedimos “cognac” para restituirmos a circulação do sangue. Nada tinham, porém, nessas vendas, apenas podiam me vender um cálice de cachaça, o qual o meu companheiro batizou com o nome de Fine Champagne". Em Porongos, foram informados que um comboio de carretas os precedia na direção de Campo Novo. Logo os alcançaram, jantaram com os carreteiros e, como a chuva continuava e o frio era intenso, resolveram dormir em uma carreta coberta de couros e com paredes laterais de capim Santa-Fé. Um dos carreteiros informou que a pouca distância vivia o Major Victor, francês muito hospitaleiro e em cuja casa os viajantes ficariam bem acomodados (trata-se de Victor Dumoncel, nascido em Cherbourg, Normandia, França, em 21 de julho de 1814. Na juventude, foi preso em Paris por ter-se envolvido em movimentos estudantis, mas conseguiu fugir, embarcando para a Argentina. Lá se alistou no exército, tornando-se major por atos de bravura. Abandonou a carreira militar em 1850, passando a dedicar-se ao tropeirismo). A noite foi "das mais aprazíveis", por ser o hospedeiro "homem inteligente e ilustrado", de modo que foi agradável ouvi-lo falar sobre "suas campanhas" e "longas viagens".
Os cavalos que conduziram Ambauer e seus companheiros ficaram descansando na invernada do anfitrião, que lhe ofereceu outros melhores, com os quais prosseguiram a jornada. A cerca de uma légua da casa do francês encontraram o arroio da Palmeira, facilmente vadeável, mesmo estando cheio e correntoso. Seguindo o caminho, do alto de uma colina avistaram um grupo de vinte a trinta casas: era a "vilinha da Palmeira" (hoje município de Palmeira das Missões), para onde eram encaminhadas as "ervas do erval da Guarita e adjacências". Na vila, onde também se achava a "Comissão Científica da estrada do Alto-Uruguai", pernoitaram em "modestíssima venda", no passo do Novaes (provável referência ao major Antonio de Novaes Coutinho, "que obteve do commando da fronteira das Missões, mais de 6 léguas no rincão da Guarita, e fundou grandes estâncias", segundo Hemetério J. V. da Silveira). No dia seguinte, chegaram ao anoitecer à estância de um velho paulista, juiz de paz da Freguesia, onde puderam presenciar o julgamento de um "ladrão de vacas" a quem os "vizinhos tinham agarrado, amarrado de pés e mãos, e conduzido à presença do velho". Por intercessão de Ambauer, o indivíduo que seria "estaqueado" teve a pena comutada para um mês de prisão. Partindo cedo, ao amanhecer, avistaram sem demora a picada que leva ao Campestre do Campo Novo (atual município de Campo Novo, onde a história conta que João Vicente Souza “Bueno” foi o primeiro habitante a se estabelecer nessa região, cerca de 1834, habitada por índios caingangues, com o objetivo de extrair erva-mate dos famosos ervais nativos) e encontraram a casa de negócios do italiano Pedro Paggi, de quem receberam franco acolhimento. Do cume de uma colina, deslumbraram-se com a visão panorâmica da exuberante floresta do Alto Uruguai, com seus troncos de grandes diâmetros, os cipós e o tapete de folhas secas no chão, onde os raios do sol não podiam penetrar: "Por todos os lados o horizonte estava obscurecido por uma barreira verde-negra da soberba vegetação dos matos seculares, contrastando com o azul do céu deslumbrante de luz". No dia seguinte, costeando a margem esquerda do Turvo (explorado pelo major Victor Dumnoncel por volta de 1845), passaram pelo Povinho, "aglomeração de dez a doze casas de palha e alguns engenhos", de onde seguiram para São Xavier, "povoação (...) de trinta a quarenta casas de paupérrimo aspecto, uma ou outra coberta de telha", em cuja "extremidade sul se vê uma capelinha sob um largo, sucedendo-se na margem esquerda do arroio os engenhos desse ponto". Em São Xavier, foram acolhidos em casa do Capitão João Pedro de Campos, principal autoridade policial do distrito de Campo Novo. A respeito da "população dos ervais", estimada por Ambauer em 2.000 indivíduos, ele registrou que em "grande parte" é formada de "desertores dos batalhões de linha, de indivíduos de equívocos precedentes" e de "mulheres de pouquíssima consideração, com quem vivem livremente".
Em um relato sobre o passeio com o capitão João Pedro, disse Ambauer: “Junto a uma encruzilhada de trilhos encontramos uma casinha e dois alpendres cobertos de ramos secos. A casinha ou rancho, como lhe chamam, tinha uma única abertura que servia de porta e fechava por meio de um couro. À porta do rancho havia uma mulher, quase em estado de nudez a qual apenas nos viu, entrou no rancho e fechou-se por dentro. Apareceram logo depois dois homens carregados de ramos de ilex-congonha e mostraram-se assustados, por ver o Sr. Campos. Este fez-lhes conhecer que só tínhamos ido ver como se faz o trabalho da erva, porém que não os queríamos incomodar. Recuperando a confiança, esses homens prestaram-se a nos dar todas as informações que pedimos, mostrando-nos mesmo como faziam o serviço. Um deles, com um enorme facão atravessado na cintura, subiu sobre um ilex bastante alto que estava próximo, abraçando-se ao tronco e elevando-se com facilidade, com o impulso dado com os pés. Chegado ao alto prendia-se a um galho forte com uma das mãos e com a outra cortava os ramos mais nos do vegetal fazendo-os cair a seus pés. Depois de desgalhar, como dizem, descem e juntando os ramos levam-nos para um dos alpendres, onde o companheiro já tinha acendido uma fogueira de ramos secos. Entre a coberta do alpendre e a fogueira havia uma segunda coberta sobre a qual penduram os ramos do ilex que dissecavam prontamente ativando o fogo. Uma vez que os ramos estejam secos os quebram o mais que podem batendo com grossas varas, acondicionando esses fragmentos de folhas e troncos a que chamam erva-mate, dentro de uns balaios oblongos, chamados jacás, feitos de taquara. A taquara, ou taquarussú é verdadeiramente o vegetal mais útil que conheço; seus verticilos servem de alimento aos animais que os erveiros empregam em transportes; o tronco cortado de diversas maneiras serve para uma imensidade de coisas, suprindo os utensílios que necessitam; seus quiosques servem de alpendre para guardar os ramos de ilex e muitas vezes de rancho para os próprios erveiros”.
Acompanhados pelo Sr. Campos, os viajantes estiveram em diversos engenhos, dos quais oferece uma minuciosa descrição dos processos envolvidos no preparo da erva-mate. A viagem de retomo foi apressada, pois seu amigo e companheiro fora chamado com urgência. Em três dias estavam em Cruz Alta e em oito em Cachoeira, onde embarcaram em um lanchão que os levou a Porto Alegre em mais dois dias e meio. Antes de encerrar a sua narrativa, o jovem Ambauer acrescenta um comentário que ainda soa atual, infelizmente: "Quanta riqueza se destrói hoje com o sistema de abater e queimar o bosque para plantar meia dúzia de pés de milho, feijão ou outro legume para a alimentação dos erveiros".
Desse itinerário resultou um relato que foi enviado ao Dr. Guilherme Capanema, a seguir.
Ilm. Sr. Dr. Guilherme S. de Capanema - Apresso-me a remeter os apontamentos sobre o Campo Novo, que V.S. me pediu, rogando-lhe haja de desculpar a insuficiência do trabalho, não possuindo eu conhecimentos nem tempo necessário para melhor fazê-lo, nem encontrando trabalho algum que me pudesse guiar senão tradições verbais.
Não sei se será a prevenção algum tanto desfavorável não só estrangeira como nacional que circula contra a província do Rio-Grande do Sul, que a tem privado de uma monografia exata; ou que não me tenha vindo ás mãos nenhuma descrição circunstanciada, à não ser os Anais da província pelo Sr. visconde de S. Leopoldo.
Essa falta é tanto mais sensível para a província, que o seu desenvolvimento tanto agrícola como industrial não tem tido o impulso que poderia alcançar, atendendo não só à sua posição geográfica, seu excelente clima, sua admirável hidrografia fluvial, como às suas riquíssimas produções minerais e vegetais.
Contrariado com a leitura bastante errônea e rigorista em demasia de alguns artigos de jornais ilustrados e científicos, atrevi-me a tomar algumas notas de minhas viagens, para poder contestar comprovando, quando precisasse.
Remeto o resumo dessas notas a V. S., dando-me por feliz se nelas encontrar o que deseja.
Cinjo-me ao pequeno Itinerário da Cruz Alta ao Campo Novo, por não julgar de interesse algum para V. S. o resto da descrição, compilada na parte histórica e científica dos Anais do Sr. visconde de S. Leopoldo e de alguns jornais locais.
O ponto de partida do meu itinerário é da Vila da Cruz Alta, cabeça da comarca do mesmo nome, situada sobre o platô que coroa a serra geral, cordilheira que acompanha o litoral com a denominação de Serra do Mar nas províncias do norte, declina bruscamente ao oeste entre o 29° de lat. alcança a 29° 38’, e segue a mesma lat. terminando em 57° 10’ de long. ocidental do meridiano de Paris. Esse platô é considerado por Balbi como fazendo parte do grande platô que corta todo o sistema montanhoso do litoral brasileiro, composto de uma serie contínua de elevações, mais ou menos marcadas, e vales profundos, dirigindo quase sempre suas águas a leste-sudeste e oeste-sudoeste até a sua terminação oriental e ocidental da mesma cordilheira.
A Vila da Cruz Alta acha-se colocada entra 28° 36' de latitude meridional e 25° 26’ de longitude ocidental no declivo acidental da Coxilha Grande, de onde o platô declina insensivelmente terminando em planície alagadiça nas costas orientais do Uruguai.
As opiniões divergem sobre a formação da Coxilha-Grande, tida por uns como prolongação da Serra Geral, por outros como cadeia separada. Na primeira hipótese demonstraria um fenômeno importante na geologia, não só pela sua pequena elevação, deprimida algum tanto na aproximação da Serra Geral, a sua prolongação sobre o platô mantendo a direção norte-sul como também a sua formação, dominando o basalto e rochas graníticas na Serra Geral, e a argila, o carvão, e outras estratificações dos terrenos sedimentares na textura geológica da Coxilha-Grande.
Os terrenos do litoral, compreendendo a parte meridional da província, cortada pela Serra Geral, da margem ocidental das lagoas dos Patos, Guaíba e Mirim, elevam-se em pequenas ondulações chamadas coxilhas quase à altura da Coxilha-Grande, a qual forma o devorlium aquarum das principais artérias fluviais da província, escoando sem grandes obstáculos nas lagoas dos Patos e Mirim as orientais, e no Uruguai as ocidentais.
A Vila da Cruz Alta é muito importante pelo comércio das tropas de mulas para as províncias de Minas, São Paulo e outras, e o fabrico e deposito da erva-mate dos ervais do município, a qual forma um importantíssimo ramo de exportação para as repúblicas limítrofes. E um dos pontos mais ricos e avantajados da província, e sua posição permite desenvolver para o futuro o empório comercial daquelas regiões.
O município de Cruz Alta acha-se encerrado a leste pela Serra do Botucaraí, que a meu ver não é senão o cume de uma cordilheira de remota formação ou continuação de alguma cadeia central; ao sul o versante meridional da Serra Geral; à oeste os bosques de Ijuhy e Jaguary, antigos limites das missões jesuíticas do alto Uruguai; e ao norte os intermináveis matos dos ervais. Esses belos campos, incultos em sua maior parte, possuem uma flora herbácea das mais variadas, distinta das do litoral, intercortados por lajeados ou riachos de águas cristalinas, e a temperatura modificada pela altura torna mais aprazível o viajar-se nessas paragens do que nas planícies do litoral.
Sofre porém o elemento pastoril com tão viçosos pastos, sendo preciso dar sal aos animais bovinos e muares, sem o qual fenecem. A vegetação arborescente é das mais imponentes se enjeirando e encerrando de lindos bosques todo o município. Duas estradas conduzem da Cruz Alta ao Campo Novo, um dos ervais ao norte do município: a estrada de baixo flanqueando o versante da Coxilha-Grande, a outra de cima ou de carretas percorrendo o cume das coxilhas. A primeira é menos extensa, porém muito acidentada e perigosa no inverno, a segunda oferece fácil viação.
O primeiro pouso partindo da Cruz Alta em direção ao Campo Novo, remontando ao norte pela estrada de carretas, foi no Lagoão, pequeno arroio que tem nascença em uns banhados a cinco léguas da Cruz Alta. Franca e atenciosa hospitalidade foi-nos oferecida polo Sr. Victor, proprietário da estancia do Lagoão além do passo, e que captou tanto de meus companheiros de viagem como de mim mui grata simpatia. Não é tão prodigo de liberalidades o habitante do platô para com os viandantes, motivo por que nos foi assaz sensível as maneiras do Sr. Victor, reiteradas no regresso da viagem com a mesma cordialidade.
Tive ocasião, durante minhas viagens pela província, de notar a diferença característica, e direi bem distinta, dos habitantes do platô e do litoral. Parece que a Serra Geral, cortando à província em duas partes, dividiu o caráter e índole dos seus habitantes, favorecendo fisicamente ao serrano, desenvolvendo as faculdades racionais ao campeiro do litoral. Essa diferença era caracterizada no tempo da descoberta por duas tribos indígenas da inteligente família dos Guaranis; os Minuanos em toda a península formada pelo Uruguai, a Se0rra Geral e o mar, e os Charruas habitando o platô. Hoje, que não existem sequer os vestígios dessas tribos, não por terem sido absorvidas na mescla das raças, mas sim por terem em sua maior parte fenecido e emigrado para as repúblicas do centro; qual será a influência dessa distinção de caráter? Causas locais, tendências tradicionais, ou efeitos puramente de origem? Inclino-me por esta última hipótese.
O segundo pouso foi na invernada ou fazenda do Sr. major de origem francesa, antigo oficial nas repúblicas do Prata. Essa invernada, ou campo fechado para engorda dos gados, dista uma légua do passo da Palmeira, pequeno arroio que tem nascença dos banhados e sangas nas adjacências da vilinha da Palmeira.
Pela estrada de baixo a passagem d'esse arroio é sobre uma pequena cascata que ele forma, algo tanto perigosa quando está cheio pela rapidez de sua corrente, motivo por quo preferimos à estrada de cima, ondo o arroio não tem mais que três a quatro palmos de profundidade e com pouca velocidade.
A vilinha da Palmeira encontra-se situada à direita da estrada na distância de uma e meia milha, sobre uma coxilha. É centro da encruzilhada dos ervais adjacentes o deposito das ervas que neles se fabricam, composta de vinte a trinta casas e ranchos de palha, e uma capelinha, única em todo o distrito que tinha sacerdote.
Na seguinte noite pernoitamos num alpendre aberto por três lados, e infelizmente por um deles soprava um ventinho acompanhado de chuva fina e fria, que nos gelava até os ossos, e nos impossibilitava de manter o fogo aceso. E na passagem do arroio por nome Novaes, divisa da estância do mesmo nome, à esquerda da estrada, num pequeno rancho, habitação do posteiro, tendo uma intitulada venda, sem coisa alguma alimentícia, nem sequer um pouco de filantropia no seu proprietário para nos vender uma galinha.
Passámos no dia seguinte pela encruzilhada formada das duas estradas dos ervais, fazendo junção nesse ponto.
Os campos, até ali de admirável fecundidade, de terreno areento, cessam completamente, principiando desse ponto um terreno de argila vermelha muito escorregadiça e fraturada, entrecortado de sangas barrentas e atoleiros. À vegetação herbácea cessa como por encanto sucedendo a aridez desoladora para os carreteiros, apenas algumas macegas reverdecem as coxilhas de um verde amarelado. Porém o que se torna notável é a quantidade de codornas e perdizes que se encontra, das quais caçávamos algumas a chicote, alimentando-nos de sua saborosa carne nas sesteadas.
Os bosques tornam-se mais espessos e anunciam outra região não menos imponente. A esquerda vem-se as matas do Ijuhy a perder de vista, limite, como já disse, das missões jesuíticas, onde vinham das costas do Uruguay grande número de índios fazer erva para o consumo das catequeses, o abastecer de quarenta a cinquenta mil arrobas os mercados de Santa Fé e Corrientes.
Esse comercio favorecia um dos módicos rendimentos dos santos mártires do apostolado católico nas gloriosas missões do Uruguay e Paraguay, e na desinteressada ambição do proselitismo de humanitário alarde encontravam as fabulosas somas com que afrontavam os golpes do liberalismo social.
Centenas desses infelizes indígenas, segundo os escritos do Sr. visconde de S. Leopoldo e Bompland, pereceram a fome, fadigas ou perigos nas longínquas matas dos ervais; outros eram capturados por quadrilhas de paulistas à caça deles para vende-los nas províncias do norte; e outros enfim tiveram a gloria de combater pela inviolabilidade da teocrática republica, contra a expedição de limites, o que promoveu segundo uns à causa principal do famoso édito do marquês de Pombal.
Lamentável destino de uma raça merecedora de melhor sorte; onde quer que a raça branca abordasse, quer fossem audaciosos conquistadores de abjetas ambições, ou fanáticos catequizadores de uma crença diametralmente oposta ao evangélico espirito persuasivo do Divino Mestre, o mísero índio sofreu o contagio, perecendo sem merecer compaixão.
Tanto os matos de ljuhy como os do Botucarahy a leste-nordeste ligam-se sem interrupção, a não ser pequenos campestres no primeiro, do imenso bosque do Campo Novo, antigo mato castelhano. Oceano grandioso de verdura que abrange, segundo a opinião de Humboldt e de Rojer numa carta geográfica das repúblicas do sul, toda à região compreendida entre Uruguay, Paraguay é Paraná. A estimativa de algumas estatísticas dá 1700 léguas quadradas de bosques pertencentes à província, porém julgo-a inferior de uma terça parte.
Passamos a quarta noite em casa de um velho paulista à esquerda, numa baixada um pouco retirada da estrada.
Esse senhor, recomendável por suas maneiras francas e cordiais, pertencia à briosa população paulista afoita e exploradora, a quem o Brasil deve a maior parte de suas explorações no interior de seu vasto império, incluindo a província do Rio-Grande, na qual penetraram por cima da serra, apropriando-se do que lhes fazia conta. No dia seguinte avistamos o recanto onde existe à picada do erval do Campo Novo.
O ponto de vista que se desenrola da proeminência duma coxilha antes de chegar à picada é dos mais grandiosos.
Por todos os lados o horizonte é obscurecido por uma barreira verde-negra da soberba vegetação das matas seculares, e essa imponente perspectiva era apenas turbada pelo rouco piar das aves de rapina. A entrada da picada, por menos timorato que se seja, quando é à primeira vez que se penetra numa mata virgem, sente-se certa emoção, que leva instintivamente a revistar as armas, como se fosse possível divisar o perigo por entre a espessura de troncos, folhagem e cipós.
No princípio a picada é boa, porém pouco à pouco torna-se, na descida das coxilhas, de difícil transito, devido à numerosa passagem de carretas sobre o terreno húmido, não podendo os raios do sol penetrar por entre as copadas arvores. Graciosos bosques do utilíssimo taquarussú bordam a estrada, e o belo ilex-congonha ostenta seu altivo porte e sua lustrosa e produtiva folhagem. Após duas léguas, pouco mais ou menos, de picada penetramos por uma porteira no campestre do Campo Novo, denominado antigamente Inhacorá-guassú, de cinco léguas de circunferência. Esse campestre, segundo a opinião dos engenheiros da estrada para o alto Uruguay, acha-se situado entre 27° 30’ de latitude meridional e 55° 26’ de longitude ocidental a 35 léguas ao norte de Cruz Alta, é de árida aparência como o terreno que tínhamos passado, muito fraturado e não tendo pasto algum para os animais, os quais alimentam-se dos verticilos do taquarussú. Circulando à esquerda encontrámos na encosta setentrional do bosque oito ou dez ranchos, três dos quais ocupados por engenhos de socar ou moer erva-mate. Um dos ranchos é a venda de um meu compatriota o Sr. Pedro Paggi, onde hospedamos o recebemos franco acolhimento. Os engenhos desse recanto servem-se, como todos os do Campo Novo, das águas de uns regatos para motor, os quais afluem no Turvo, que serpenteia na costa setentrional do campestre. No dia seguinte, costeando a margem do Turvo passamos polo Povinho, aglomeração de dez a doze ranchos e alguns engenhos. O terreno nesse lugar é pedregoso e mais árido ainda, e por sua cor indica a presença de minerais metalíferos. Não pude saber de onde foi extraída o fragmento de rocha cobrífera que tive a honra do remeter a V. S., porém não deve ser muito distante dessa localidade.
Do Povinho dirigimo-nos ao oeste. Após termos passado outros lajeados afluentes do Turvo entramos no povo de S. Xavier.
Composto de um grupo de trinta a quarenta casas de paupérrimo aspecto, o povo de S.Xavier tem uma forma irregular, uma capelinha situada na extremidade da praça, e os engenhos sucedendo-se à beira de um riacho. Tendo deixado os peões e a cavalhada antes de transpor o riacho, dirigimo-nos à residência do Sr. capitão João Pedro de Campos, para quem eu trazia várias cartas de recomendação.
Apraz-me citar nestes apontamentos o nome do Sr. Campos, não só peias delicadas atenções e condescendente bondade, de que usou para conosco, como pelo caráter enérgico, reto e humanitário que possui. Primeira autoridade policial do distrito, merece os encômios do governo imperial e a estima e reconhecimento dos habitantes do Campo Novo por seus relevantes serviços. Justiceiro e harmonizador, porém reto e inflexível no seu dever, é ele a força moral que reprime os maus instintos da heterogênea e pouco escrupulosa população dos ervais circunvizinhos. Brioso quão inteligente, tem melhorado, quanto é possível a um só homem, a fiscalização e aperfeiçoamento de tão produtivo comércio, alcançando nas ervas de sua fabricação igualar a bondade e qualidade das do Paraguay, avantajadas nos mercados do Prata.
A população dos ervais compõe-se em grande parte de desertores dos batalhões de linha, de indivíduos de equívocos precedentes, e mulheres de pouquíssima consideração, com quem vivem livremente; elevando-se aproximativamente a 3000 indivíduos dos dois sexos. Consciências elásticas e maus instintos presidem entre eles em seu comercio, e a impunidade, que podem gozar embrenhando-se nos matos pelo labirinto de trilhos só por eles conhecidos, os incita a praticar atos reprováveis e algumas vezes cruéis.
O campestre do Campo Novo, segundo me informou o Sr. major Borges, velho catarinense morador no Povinho, a quem se deve o reconhecimento do alto Uruguay, fora descoberto em 184.... por uns caçadores, os quais tendo-se perdido no mato, viram a pequena distancia levantar-se a fumaça de alguma fogueira, e dirigindo-se a esse rumo não encontraram ninguém. Atestaram, porém, já ter tido habitadores uma cruz com inscrição em português, uma roda de carro, algumas telhas e traços de uma estrada de carretas. Uma carta geográfica dos jesuítas dava nessa latitude um campestre denominado Vacas-Brancas, no qual a crença popular fazia o deposito das riquezas dos missionários, e a moradia de ascéticos anacoretas de torturada privações. Nada foi encontrado, nem podiam: O povo apraz-lhe forjar formosos eldorados e grutas do Monte Christo em toda a parte. Os jesuítas não eram uma ordem contemplativa; ao contrário, eminentemente políticos, não lhes convinha o ascetismo, e nem tão pouco acumular capitais improdutivamente. A fabricação das ervas, que se eleva a duzentas mil arrobas por safra, carece de severas medidas fiscais, tanto para a conservação de tão produtivo comércio, quanto para à bondade de sua qualidade. O Sr. capitão João Pedro de Campos tem envidado todos os seus esforços para convencer praticamente que a vantagem das ervas do Paraguay, duplamente pagas que as das missões, é devida ao cuidado que tem o erveiro no desgalhar somente vegetais robustos, desidratá-los e moer prontamente para não perder a fragrância e a cor, que naturalmente perdem expostos às intempéries. No engenho requer também o cuidado de não aventar, condicionando-a o removendo-a com cuidado.
Nada, porém, convence à sórdida e brutal ambição dos erveiros. Destroem o vegetal derrubando-o para o desgalhar; deixam os galhos estacionar pelo chão no lugar onde desgalharam, enquanto não tem quantidade avultada para os levar ao carijo e secá-los; mesclam diferentes vegetais para terem maior provisão, e condicionam de maneira que muitas vezes perdem o fruto de suas fadigas.
Tosco bastante é ainda o sistema pelo qual remoem a erva, servindo-se de engenho; de dez a doze pilões com enormes rodas, de moinhos e eixos, movidos pelas águas dos lajeados, as quais conduzem com muito desperdício. Servem-se também do monjolo, o qual é um pilão com um braço em forma de colher, a qual enchendo o faz levantar, recaindo o pilão logo que o receptáculo derrama a água. Creio que não alcançam moer duas arrobas de erva por dia por esse modo. Esse ramo do comércio escasseará para o futuro, se, como já disse, não houver uma fiscalização enérgica, possível somente quando for compreendida a importância de tão lucrativa indústria. Enormes gastos acarretam ao comércio dos ervais a grande distância em que se acham os ervais, mormente, pela morosidade dos meios de transporte. Carretas puxadas a seis ou oito bois não transportam mais de cem a cento e dez arrobas de erva, e o tempo que levam no trajeto dos ervais missioneiros ao passo do Ijuhy, e dali ao passo do Itaquy, e muitas vezes á Uruguayana, quando o Uruguay está baixo, é de dois a três meses.
A época da safra é nos meses invernais, em que a vegetação está em repouso e favorece à arrebentação na primavera. E isso é um dos atrasos à rápida condução. Muitas vezes o carreteiro vê-se obrigado a descarregar as ervas no meio do campo por qualquer incidente dos muitos que se dão, e a humidade que possa penetrar nas ervas é suficiente para deteriorá-las.
Um grande inconveniente para esse commercio é que as ervas das missões e Botucarahy não chegam ao mercado do Prata senão depois dele estar abastecido pelas ervas do Paraguay, o que diminui muitíssimo o seu valor, além de terem absorvido maior despesa. Estes contratempos foram previstos pelo governo provincial, o qual ordenou a abertura de uma estrada do erval da Guarita ao alto-Uruguay.
Não foram, porém, bem tomados os dados para melhor facilitar os meios, e essa estrada não pode oferecer vantagem notável, atendendo a que tem que percorrer novo léguas de picada, e encontra-se com o Uruguay acima do Salto-Grande, obstáculo enorme para a navegação fluvial. O campestre do Campo Novo teria oferecido menos dispendiosa, mais fácil e muito mais útil realização. A distância que o separa do alto Uruguay é de seis léguas pouco mais ou menos, ficando abaixo do Salto-Grande; utilizando o Turvo, arroio de quinze léguas de curso, tendo cinco léguas em igual direção do Uruguay, permitindo por meio de estacadas aproveitar o volume de suas águas, tendo justamente na época da safra fundo suficiente para a navegação de chalanas ou mesmo de jangadas a imitação dos Estados-Unidos. Uma estrada do campestre do Campo Novo ao alto Uruguay não seria tão somente para o comércio dos ervais de econômica e urgente realização, desenvolveria outrossim imensas vantagens para a exploração de outros ramos de comércio e indústria. A existência do mineral de cobre é incontestável; não me sendo possível dar os informes que V.S. me pediu, creio, porém, que a sua posição devo ser exterior, não crendo a possibilidade de que haja feito escavações para obter o fragmento que tive a honra de remeter. Grande número de especuladores remontam o alto Uruguay, e arranchando-se no mato constroem cascos de navios, carregando-os de madeiras de lei, descendo o rio quando oferece as enchentes em periódica regularidade. Essa fraude, impossível de obstar por ora, poderia sê-lo centralizando no Campo Novo uma guarnição militar de duzentos a tresentos homens, a qual protegeria o comércio das ervais e sua fiscalização, a conservação da estrada, manteria à ordem pública, e chamaria grande afluência de especuladores em pouco tempo.
O Peperi-Guassú, afluindo no Uruguay na longitude do Campo Novo, limite político do Império com o Paraguay, não tardará em ser por estes utilizado em via de comunicação, o poderão não só ser concorrentes em dupla vantagem ao comércio das ervas, como viriam a importá-las no Rio-Grande, como acontece com o gado do Estado Oriental, que, além de ser em concorrência nos charques com as províncias do norte, a província do Rio-Grande lhes favorece maior proveito, comprando-lhes o gado, considerado de melhor qualidade.
Muitíssimas espécies de madeiras de lei próprias para a marcenaria, a construção naval e outros ramos de indústria podem ser facilmente extraídas, o ofereceriam fácil e lucrativo comércio nas cidades e vilas ao longo curso do Uruguay.
Resinas e gomas procuradas pela indústria e farmácias encontram-se em grande quantidade, o que promoveria com vários frutos silvestres um ramo importante de especulação.
Esses diferentes gêneros de exportação aumentariam a renda pública, e serviriam de atrativo à uma emigração tanto estrangeira como nacional para esse ponto de florida perspectiva.
Rogo, porém, que V. S. haja de considerar estas minhas observações como mero parecer, desculpando-me a insuficiência dos necessários conhecimentos.
Queira francamente dispor do
De V.S.
Atento venerador e criado
Henrique Anbauer Schutel.
Rio-Grande, 30 de setembro do 1867.
O Rincão de São Jacob nasce quase que ao mesmo tempo que chegaram os primeiros ocupantes lusos destas paragens. Ou seja, entre os anos de 1825 a 1850. Segundo Odilon G. de Oliveira surgiu juntamente com os Rincões da Guarita, Inhacorá, Campo Novo e Ramada.
O Rincão de São Jacob é basicamente o início do povoamento do atual município de Santo Augusto, segundo notícias de historiadores e pesquisadores que estudam a formação desta região, a partir das estâncias de cidadãos que receberam Cartas de Sesmarias, terras de campo e mato, expedidas pelos Comandantes Gerais das Missões. Um dos primeiros fazendeiros foi o também político Antônio Demétrio Machado que procedia de Cruz Alta, que é considerado o Município Mãe desta região e que teve o seu povoamento iniciado em 1810. O fazendeiro citado era amigo do seu chefe político de Cruz Alta, o Cel. Diniz Dias, que, por sua participação na Guerra do Paraguai, recebeu o título de “Barão de São Jacob”.
O Cel. Diniz Dias foi responsável pela abertura da primeira picada, em meados de 1859, que viria a ser a futura estrada de acesso a Campo Novo, vindo de Cruz Alta, e depois ligando a Colônia Militar do Alto Uruguai (hoje Três Passos) da qual foi fundador. Provavelmente, quando entrou para o baronato de Império Brasileiro, Cel. Diniz Rodrigues Dias deve ter recebido o título de Barão de São Jacob, em 1883, fazendo referência a esta localidade, pois os títulos de baronatos eram toponímicos. Desse empreendimento nasce o lugar chamado de “Boca da Picada de São Jacob”.
Foram ocupantes primeiros os sesmeiros que receberam suas propriedades através de concessão do Comando Geral das Missões, que ficava em São Borja, geralmente em função de alguma bravura ou participação em algum evento militar. Logo vieram os paulistas, muitos tropeiros e peões de tropas. Sobre estes últimos, sabe-se que na missão de reconhecimento de picadas que dariam acesso aos ervais cultivados pelos reduzidos índios guaranis nos Sete Povos, o explorador Francisco de Paula e Silva, cruzou com famílias e tropeiros paulistas que buscavam seu “eldorado” nestas áreas e busca de gado muar para as feiras de Sorocaba, respectivamente. Essa expedição foi dada primeiramente pelo Comando Geral das Missões a João da Silva Machado, porém este tinha melhor interesses no Paraná, ficando a incumbência para seu irmão, o Guarda-Mor Francisco de Paula e Silva.
Os paulistas utilizaram as picadas já existentes dos tempos dos índios reduzidos. As picadas ligavam a redução de Santo Ângelo aos ervais da região. Uma das estradas ligava a redução ao Sertão de Comandaí e a Inhacorá, Santo Cristo, Giruá e Santa Rosa. Outra passava por Monte Alvão, Ramada, Palmeira até Passo Fundo e Botucaraí. Foi desta última estrada que partiu o ramal do Rincão de São Jacó até a Colônia Militar, conforme descrito anteriormente, e passando por Campo Novo e dando origem a “Boca da Picada”, lugar de parada de carreteiros, tropeiros e viajantes, segundo Odilon G. de Oliveira, autor do livro “Santo Augusto: de 1815/20 até 1940”.
O Governo Imperial financiou mais de uma expedição para encontrar o tão comentado e esplendoroso mítico campo da Vacas Brancas que deu nome a Fazenda As Brancas do Gal. Firmino de Paula e Silva. Supõe-se ser uma invernada das Missões Jesuíticas que a despeito dos investimentos lançados para encontra-lo nunca assim o foi. Esse lendário Campo poderia, talvez, sendo verdadeiro estar localizado no Rincão de São Jacob. Em 1857, o Capitão Tristão de Araújo Nóbrega, partiu de São Borja com uma força composta de 27 praças, 7 índios “mansos” do aldeamento de Nonoai, comandado pelo cacique Prudente, o agrimensor Francisco Rave e dois descobridores que já haviam circulado pela região: Jesuino Nunes e Laureano de Vargas. A missão: mapear os caminhos dos ervais, encontrar índios e professar a fé católica de forma pacífica e usar a força só em legítima defesa, arregimentar meninos índios para escola de soldados das missões e enviar as meninas as aldeias de São Lourenço, e “encontrar o rebanho das Brancas”. Nesta época o comandante das Missões era Manoel Luís Osório, o Marquês do Herval, que recebeu este título por ter organizado a expedição.
Desde a sua existência como Rincão de São Jacob esta localidade fez parte do território de Cruz Alta até o ano de 1875, sendo que o seu território era formado por uma área compreendida entre o Rio Inhacorá a oeste, pelo Rio Turvo a leste, a Cordilheira que fecha o Campo Novo ao norte e pela Serra do Ijuhy ao sul, conforme descrição genérica de Hemetério José Velloso da Silveira, em sua obra “As Missões Orientais e Seus Antigos Domínios”, datada de 1909.
Na data de 05 de agosto de 1834, Palmeira passa a ser o 5º Distrito de Cruz Alta e o Rincão de São Jacob passa a integrar o seu território até 1857. Nesse ano, Cruz Alta sofre nova divisão territorial com a criação da freguesia de Santo Antônio da Palmeira em 14 de janeiro de 1857, e com a criação do 4º Distrito da Campo Novo em 30 de maio de 1857 pertencente a Cruz Alta, passando o Rincão São Jacob a integrar o território desse novo Distrito, de acordo com a descrição dos limites que fornecem elementos para comprovar essa situação, que vigorou até 1875, quando em 29 de março, pela Lei nº 964, Campo Novo deixa de ser o 4º Distrito de Cruz Alta e passa a ser o 3º Distrito de Palmeira, continuando esse Rincão a fazer parte de Campo Novo, agora subordinado à Palmeira, até o ano de 1928, quando pelo ato municipal nº 119, de 18 de fevereiro de 1928, já como Santo Augusto, a ser Distrito de Palmeira. Depois disso passa a ser incorporado na história de Santo Augusto.
Odilon G. de Oliveira cita que “no território dos municípios de Nova Ramada e Chiapetta duas mudanças de nomes de rios dificultam a elucidação de vários fatos nesta área. Falo dos Lajeados Bugiganga e São Jacob, este consta claramente como afluente do Ijuí. Fica claro que não é o Lajeado São Jacob que nasce nas fazendas dos Costa e deságua no Inhacorá, tendo seu curso todo dentro de Santo Augusto”.
Algumas invernadas e fazendas lendárias que existiram no Rincão de São Jacob são: Invernada do Fundo Grande, Invernada da Inveja, Invernada do Redondo, Invernada das Crioulas, Invernada dos Bois, Invernada da Cachoeira, Fazenda Olhos D’água, Fazendo Monte Alvão, Fazenda da Ramada, Fazenda Às Brancas, entre outras.
O Barão Diniz Dias também possuía uma fazenda denominada Barão de São Jacob, porém esta situava nas cercanias da cidade de Cruz Alta, em direção ao atual município de Ibirubá.
Alguns conhecidos nomes que moraram ou tiveram propriedades no Rincão de São Jacob: Gal. Firmino de Paula e Silva, Cel. Ubaldino de Oliveira Machado, Cândida Paiva Machado, Antônio Demétrio Machado, Cel. João Batista Prates, Cel. Diniz Rodrigues Dias (Barão de São Jacob), João da Silva Machado (Barão de Antonina), Florêncio Nepomuceno de Carvalho Prates, Francisco de Paula e Silva (Barão de Ibicuhy), Cândido de Oliveira Lemes, Joaquim Pires de Arruda, José Valentim Nunes Cavalheiro, Manoel Antônio Barbosa, João Plácido Gonçalves, Thomaz Antônio da Silva, Maria Delfina de Carvalho, João Batista Chagas, João de Souza Brasil, João dos Santos Teixeira, Lourenço Alves Rodrigues, Chagas Demétrio, Leonardo Pinheiro, Manoel Policeno de Souza, Casemiro Policeno de Souza, José Corrêa de Moura, Antônio Manoel Machado, João Vicente de Souza Bueno, Manoel Pereira Carpes, Guilherme Schaw, Antônio de Souza Bueno, João Rospide, Francisco de Paula Arvellos, Philippe Bindé Lassale, João Mousquer, Pedro Paggi, Antônio de Novaes Coutinho, João Domingues Bueno, entre outros tantos homens e mulheres que deixaram suas marcas neste rincão.
Podemos dizer que o Rincão de São Jacó, hoje é parte dos municípios de Santo Augusto, Nova Ramada, Chiapetta, Ajuricaba, Campo Novo, Inhacorá, São Valério do Sul e São Martinho. Ficando ainda a localidade de São Jacó reduzida a uma comunidade com pequeno povoado com uma igreja católica, um salão paroquial e uma escola de ensino fundamental à margem esquerda da RS-155, sentido Ijuí a Santo Augusto e a esquerda da RS-571 no sentido Santo Augusto a Chiapetta e a margem direita do Rio Inhacorá, que nasce no cemitério dos Prates nas margens da RS-155. Segundo Arnilda V. dos Santos, em sua obra sobre Santo Augusto, diz que “o Rincão de São Jacob se caracteriza pela existência de três porteiras. A primeira na entrada de São Jacob (deve ser pela RS-155), a segunda no acesso a desativada Escola Municipal Américo Gobbi e a terceira na propriedade de Elísio Alves da Silva, no Rio Inhacorá. No local havia "passo" para a Fazenda as Brancas”. Existiam casas de telha de capim e chão batido rodeadas de prancha, sendo a primeira casa de tábuas e assoalho de madeira pertencente a Januário Antônio da Silva.
Odilon Gomes de Oliveira, Santo Augusto, de 1815/20 até 1940, 159p (Porto Alegre, RS: EVANGRAF, 2000).
Hemetério José Veloso da Silveira, As Missões Orientais e seu Antigos Domínios (Porto Alegre, RS: ERUS, 1979 - 1ª edição de 1909).
Marisa Schneider Nonnenmacher, Aldeamentos Kaingang no Rio Grande do Sul: século XIX (porto Alegre, RS: EDIPUC, 2000)
Aristides de Moraes Gomes, Fundação e Evolução das Estâncias Serranas (Cruz Alta, RS: Liderança, 1966)
Claudio Nunes Pereira, Genealogia Tropeira, Vol.I - VIII (Curitiba, PR: n.p., 2004-2008)
Arnilda Verônica Santos, Apontamentos para a História de Santo Augusto - um Registro das Comunidades Escolares (Santo Augusto-RS: Samavi, 1992)
Após o término do maior conflito bélico da América do Sul, a Guerra do Paraguai, os oficiais e grandes guerreiros retornaram para os seus rincões. E depois de um certo período de paz em Cruz Alta, alguns rincões mais afastados foram se emancipando da grande Villa de Cruz Alta. Uma das primeiras foi Passo Fundo, que deixou de pertencer em 1857, na ocasião, os Deputados da Assembleia Provincial, Antônio de Melo e Albuquerque ( Melo Manso) e Antônio Gomes Pinheiro Machado (pai do futuro Senador José Gomes Pinheiro Machado), elaboraram a proposta de criação do novo município. Reconheciam os deputados a grande dificuldade em administrar um município com tamanho território como era o da Cruz Alta. Os deputados cruzaltenses defenderam, portanto, a ideia da separação de Passo Fundo, para conjuntamente com Soledade, constituir um novo município.
Era de fato um enorme território, o do Município de Cruz Alta, e por ele circularam evidentemente milhares de pessoas das mais variadas nacionalidade e profissões, em busca de uma residência na região ou para fins de comércio fixo ou ambulante. Assim descreveu Hemetério Velloso da Silveira (juiz da comarca), testemunho da época, sobre a Villa de Cruz Alta e seu movimento: ...quando ali residimos, foi raro o dia em que não vimos chegar ou sair por qualquer das estradas... muitas pessoas à cavalo, umas trazendo a cabresto animais com carga, umas que vinham de passeio ou por questões quaisquer, outras tocando carretas e vários outros veículos, outras acompanhando tropas de gado, especialmente muares…
Continuando diz que: ...findo o tempo da safra e começo da exportação da erva-mate desde outubro até janeiro seguinte, passavam diariamente dezenas de carretas procedentes de Palmeira, Nonoai e Soledade conduzindo grandes carregamentos de erva-mate com destino a Fronteira Oriental ou Itaqui, por muitos anos o empório deste produto da melhor indústria missioneira.
Mas havia grande perigo em transitar pelo grande e despovoado território de Cruz Alta, pois a violência naquela época já preocupava as autoridades , sendo muitos os casos de latrocínios e homicídios cometidos por bandidos solitários ou em bandos, que aproveitando-se da farta vegetação e da dificuldade de socorro praticavam esses assaltos à sombra das emboscadas, um caso muito comentado e difundido à época foi o do assassinato de dois irmãos comerciantes franceses: Joseph e Isidore Lèvy. Que foram mortos perto de Cruz Alta e suscitou indagações do Vice-Cônsul Francês Noel Paul Baptiste d’Ornano que ficou preocupado com o caso.
Apesar destes problemas, a região foi desde cedo visitada por imigrantes de vários países europeus, que deslocavam-se de tempos em tempos pelo território da Província com objetivo de fixar residência ou trabalhar. Primeiro foram os açorianos que desde 1750 já estavam em terras rio-grandenses , após uma não muito bem sucedida tentativa do governo em ocupar o território missioneiro, com o propósito de garantir a posse das terras para os portugueses; depois veio a fracassada experiência de colonização alemã na Redução de São João Batista por volta de 1824 e 1830, no início da imigração germânica do Rio Grande do Sul.
Sem conhecer sequer o planejamento que o governo brasileiro havia reservado a eles, este pioneiros alemães enfrentaram muitas dificuldades de adaptação e isolamento numa terra desconhecida. Sabe-se porém, que o objetivo principal da vinda dos imigrantes alemães à região de Cruz Alta, era de cunho político, pois o governo queria o povoamento destas terras para garantir a posse dos territórios que haviam sido tomados dos índios e que constantemente sofria ameaça castelhana. Além disso, os alemães poderiam assegurar a produção de alimentos para tropas militares que foram destacadas para patrulhar e defender a região.
Poucos foram os que permaneceram em São João Velho, como as famílias: Kruel, Schmitt (um destes, chamado Tristão Frederico Schmitt, faleceu em 1879 em São Miguel com 109 anos) e Holsbach.
Entretanto, com o passar dos anos e principalmente depois da Guerra dos Farrapos, outros alemães se estabeleceram em Cruz Alta, como o soldado da batalha de Austerlitz, Johann Alexander, falecido em 1867 com 104 anos de idade.
Cruz Alta era nessa época, um lugar de passagem quase que obrigatória para qualquer pessoa que viesse para a Província do Rio Grande do Sul, não somente pela extensão geográfica de seu território, mas também pela importância política e militar da então Villa, no contexto social e econômico rio-grandense da época. Tão importante que em 1849 o prestigioso juiz e político Dr. Antônio Gomes Pinheiro Machado, levantara a ideia de criar a Província de Missões (depois denominada Província do Alto Uruguai), separando do Rio Grande do Sul este enorme território cuja área abrangia desde Cruz Alta, que seria sua capital, até a totalidade da atual Região Noroeste, Missões e parte do Planalto Médio.
O assunto que na época provocou acalorados debates e um celeuma infernal, não foi levado adiante, mas retornaria com mais força em 1877, quando a própria Câmara Municipal de Cruz Alta estaria encarregada de apresentar o projeto. Também não foi possível concretizar a ideia, já que as brigas políticas e com outros municípios inviabilizaram a consecução desta iniciativa.
Em 1884, época em que iniciara também o movimento pela liberdade dos escravos de Cruz Alta, a ideia da nova província voltou com força redobrada e com um território geográfico bem maior, pois o povo desta região do Rio Grande do Sul estava cansado de sofrer as desatenções dos governantes, que jamais dignaram-se a subir a serra… onde supõe só habitarem bugres… a não ser em casos de emergências eleitorais, quando carecem de nossos sufrágios, cita em seu livro Rossano Cavalari.
Outros fatores provocaram o ressurgimento da ideia de criar a Província do Alto Uruguai, como: a precariedade das estradas; da instrução primária; dos serviços de correio; do atendimento religioso em diversas paróquias e os exorbitantes impostos cobrados, fatores que unidos, provocaram a reação popular e da imprensa, em inúmera manifestações na Praça da Matriz em Cruz Alta. Este grande movimento cívico no entanto não convenceu Sua Majestade o Imperador Dom Pedro II, que na ocasião encontrava-se no Rio Grande do Sul, achando não ser boa ideia a tão desejada divisão política… que a partir de então foi deixada de lado definitivamente.
Esta tentativa de criação da Província do Alto Uruguai, iniciada em 1848, embora não tenha atingido o resultado almejado, serviu de vitrine política para Cruz Alta, pois a partir de então o Governo da Província deu mais atenção aos problemas sociais deste grande território das Missões, e passou a respeitar em parte, as reivindicações da população.
Essa, talvez, seja a primeira experiência séria de tentativa de divisão territorial interna do Rio Grande do Sul, com criação de uma província pertencente a nação brasileira, que contou com participação popular e debates em praça pública.
Rossano Viero Cavalari, A Gênese de Cruz Alta (Cruz Alta, RS: Unicruz, 2004).
Hemetério José Veloso da Silveira, As Missões Orientais e seu Antigos Domínios (Porto Alegre, RS: ERUS, 1979 - 1ª edição de 1909).
Por Walter Spalding
Em consequência dos Tratados de 1750 e de 1777, a questão de limites, no Rio Grande do Sul, ficou completamente indecisa, não se conformando, porém, o povo sul-rio-grandense com a perda da região missioneira. Diz o Sargento-mor Domingos José Marques Fernandes em sua Descrição Corográfica, Política, Civil e Militar da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul, ...escrita em 1804, e que fora testemunha ocular dos acontecimentos, que
"na (...) indecisão de limites se achavam os povos da Capitania do Rio Grande, quando nesta se rompeu a alegre nova de que Espanha tinha declarado a Portugal guerra".
A notícia chegara, da Bahia, a 15 de junho de 1801.
O que foi essa "Campanha de 1801", em Portugal pitorescamente denominada "das laranjas" dí-lo Belisário Pimenta (1) ao comentar duas cartas e um ."Diário" da referida campanha. Foi uma "guerra" de mais ou menos um mês, pois a 10 de junho de 1801 espalhava-se a notícia oficial de ter sido assinado "o tratado de paz".
Assim, pois, quando aqui chegou a notícia da guerra a 15 de junho, já ela estava concluida na Europa. Mas, enquanto não chegasse a notícia oficial daquela conclusão com assinatura do tratado de paz, em Badajoz, o sentimento do povo rio-grandense, desde muito descontente com o resultado dos Tratados anteriores, resolveu agir.
Governava o Rio Grande do Sul o tenente-general Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara (31-5- 1780 — 5-11-1801 quando faleceu no cargo). Recebendo a notícia, resolveu, de logo, preparar as tropas para a defesa das precárias fronteiras "estabelecidas" pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), mas ainda não demarcadas de todo. Com esse objetivo mandou forças para a fronteira do rio Jaguarão que se encontraram com as espanholas concentradas em Cerro Largo. Em seguida, a fim de melhor garantir a região, seguiu para lá o coronel Manuel Marques de Sousa que conseguiu sem grande dificuldade, a capitulação dos espanhóis. Mas no Rio da Prata tudo se preparava para um ataque de vulto ao Rio Grande, sob o comando do Marquês de Sobre-Monte que, prestes a marchar, recebeu o aviso do Tratado de Paz, assinado em Badajoz. Mas já nessa ocasião estavam os nossos de posse da fronteira Chui-Jaguarão e de quase todo o território missioneiro, para onde marchara, a 3 de agosto, José Borges do Canto, por um lado e por outro seguira Manuel dos Santos Pedroso, com a finalidade de reaver o território missioneiro, que de direito, sempre pertenceu ao Rio Grande do Sul, tendo como fronteira natural o rio Uruguai.
Comentando a notícia da declaração de guerra de Espanha, forçada por Napoleão, a Portugal, dizia em 1804 o citado Sargento-mor Domingos José Marques Fernandes:
"Sentia o governador que lhe não chegasse carta de ofício a este respeito ; e como se capacitou que as ditas notícias eram verdadeiras, mandou que os povos portugueses reconhecessem a nação espanhola por inimiga, fazendo afixar editais nos lugares públicos desta resolução, enquanto chegasse correio, que o obrigasse a fazer a declaração de guerra com a normalidade do estilo, como com efeito sucedeu aos 16 de agosto daquele ano".
Mas já nessa ocasião do recebimento oficial da declaração de guerra, Veiga Cabral havia agido na fronteira sul, enviando gente a fim de observar o inimigo. E, enquanto isso, José Borges do Canto e Manuel dos Santos Pedroso, ambos desertores, — desertores no sentido rigoroso disciplinar do Exército, mas não para os homens do Rio Grande, conforme nos ensina José Feliciano Fernandes Pinheiro (2), — enquanto isso José Borges do Canto e Manuel dos Santos Pedroso, respectivamente com 40 e 20 aventureiros cada um, e acompanhados, ainda, de militares da estirpe de Gabriel Ribeiro de Almeida (3), marcharam sobre as antigas Missões a 3 de agosto, antes, portanto, da deliberação do Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara . A 13 de agosto entravam esses homens na região já então acompanhados por grande número de indivíduos, inclusive indígenas que, pelo caminho se lhes iam incorporando.
Estavam, assim, de posse de todo o território missioneiro, isto é, dos Sete Povos, quando veio a notícia do Tratado de Paz de Badajoz, mandando que tudo ficasse como estava no momento. Por esta forma foi que a região missioneira do Rio Grande do Sul entregue ao Brasil pelo Tratado de Madrid (1750) e retirado pelo de Santo Ildefonso (1777), ficou definitivamente incorporado ao território da Província de São Pedro.
Há uma Notícia dos Acontecimentos pela Presente Guerra nos Sete Povos de Missões e Nesta Fronteira do Rio Grande de São Pedro (4) que historia, em 30 de agosto, já terem sido tomadas aos castelhanos as Missões:
— "A memorável notícia que da fronteira do Rio Pardo chegou a esta vila (do Rio Grande), de serem tomadas aos castelhanos seis povos das Missões, explica-se da maneira seguinte: — Do regimento de Dragões da mesma fronteira, havia desertado um soldado por nome José Francisco do Canto, natural e batizado na freguesia do mesmo Rio Pardo, onde existem seus pais, e pela notícia que tinha da presente guerra, tomou a resolução de se apresentar ao tenente-coronel do mesmo regimento e comandante daquela fronteira, de cuja deserção ficou perdoado, e pedindo ao mesmo comandante licença para sair à campanha a fazer as hostilidades que 1113 fosse possível aos castelhanos, com efeito lhe foi conferida não só a referida licença, como também de levar em sua companhia quarenta soldados auxiliares que voluntariamente o quisessem acompanhar, muito bem armados; e como a guerra ainda se não tinha declarado naquela fronteira, somente lhe foi proibido pelo tenente-coronel comandante o levarem fardas por se não conhecerem por militares, pelas suas insígnias; seguiram a sua marcha, dirigida às Missões, e chegando à primeira Estância da Repartição do primeiro povo de São Miguel, capital dos Sete Povos, naquela fizeram publicar aos índios que achavam na mesma, que eles iam libertá-los do grande jugo em que sempre tinham estado debaixo do poder dos castelhanos, do que os mesmos se satisfizeram muito, e os presentearam com boa cavalhada, e mantimentos, dando-lhes também linguares que os acompanharam na sua digressão".
Continuando, faz o anônimo autor dessa Memória descrita dia a dia, o relato completo até a prisão do comandante espanhol, sua chegada a Rio Pardo, preso, e fala na liberdade que lhe foi concedida pelo Governador.
Na data de 13 de setembro narra o anônimo autor:
— À presença do Ilmo. e Exmo. Sr. Tenente-General Governador foi enviado de Missões um furriel de cavalaria miliciana contemplado nos quarenta homens que valorosamente acompanharam o comandante da mesma partida, José Francisco do Canto (o autor, durante todo o transcurso de seu relato escreve José Francisco do Canto, em lugar de José Borges do Canto, talvez por causa do nome do pai do herói que era Francisco), com a conta dada pelo dito comandante dos progressos acontecidos, e das disposições feitas pelo seu prudente pensar, oferecendo ao mesmo Senhor os estandartes riquíssimos das comarcas dos mesmos povos, relações de todas as hostilidades, armamentos, petrechos de guerra, fazendas, mantimentos e bens, de cujo procedimento teve o mesmo Senhor grande satisfação, aprovando-lhe em tudo as sábias determinações, as quaes devem ser memoráveis por não serem praticadas por servidor de século e memória".
Declara a seguir que o Governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara
"o premiou quanto lhe foi possível", "nomeando ao dito Canto capitão de uma nova companhia de cavalaria de milícias, comandante geral e restaurador dos mesmos povos de Missões" e ao furriel enviado "nomeou tenente das mesma companhia, e lhe mandou poder para nomear o alferes à sua satisfação, que o confirmaria, assim como também a todos os oficiais inferiores e agregasse à companhia os soldados que muito bem lhe parecesse".
E, apesar da paz já de há muito firmada na Europa, ainda no Rio Grande do Sul e no Prata a luta continuava. Ainda a 12 de outubro solicitava Cabral da Câmara por empréstimo aos comerciantes do Rio Grande a quantia de oito mil cruzados
"para as tropas acampadas nas margens do rio Jaguarão, e no termo de quatro horas se fêz a entrega da mencionada quantia",
que foi levada ao acampamento de Jaguarão pelo sargento-mor de cavalaria ligeira, Vasco Pinto Bandeira. A 23 de outubro recebia o Governador a notícia de ter sido tomado o último povo — São Borja,
"pelo capitão de cavalaria e restaurador das mesmas, José Francisco do Canto".
Finalmente, a 31 de outubro chegava a notícia da paz:
— "Entrou nêste pôrto uma sumaca de Pernambuco com a notícia de estar feita a paz com Castela, e que em Lisboa se publicara a 20 de julho do corrente ano".
José Borges do Canto nasceu no Rio Pardo, tendo sido batizado a 17 de fevereiro de 1775. Era filho de Francisco do Canto e sua esposa, D. Eugênia Francisca. O registro de batismo reza (5):
— "JOSÉ — Aos dezessete dias do mês de fevereiro de mil setecentos e setenta e cinco, nesta Matriz de Nossa Senhora do Rosário do Rio Pardo, Bispado do Rio de Janeiro ; batizei e puz os Santos Óleos a José filho legítimo de Francisco do Canto natural da cidade e ilha de São Miguel, bispado de Angra: e de sua mulher Eugênia Francisca, natural e batizada na freguesia da Vila de São Pedro do Rio Grande do Sul, neto pela parte paterna de José Caetano e de sua mulher Eugênia Maria, e não houve mais notícias. E foram padrinhos José Bernardes de Meireles e sua mulher Josefa Maria de Aguiar, por seus procuradores que me apresentaram Manuel Inácio Bessa e Eugênia Maria todos moradores nesta freguesia e para constar fiz êste assento, que assino — o Padre José Antônio de Mesquita" —
Completando o assentamento acima, damos, a seguir o nome completo dos pais e avós: Pais: Francisco Borges do Canto e D. Eugênia Francisca de Sousa; Avós paternos: José Caetano Pereira, da ilha de São Miguel, Açores, e Maria Eugênia de Figueiredo, de Lisboa; Avós maternos: José da Costa e Inocência Francisca, ilhéus moradores na vila do Rio Grande de São Pedro.
Os feitos de José Borges do Canto dariam para encher algumas centenas de páginas. Deles, entretanto, o maior foi o da conquista das Missões que lhe valeu, do Governador Cabral da Câmara, o cognome de "Restaurador dos Sete Povos".
Se, a respeito de seu nascimento não há dúvida ter sido no Rio Pardo, embora somente exista o registro de batismo sem referir a data natalícia, a respeito da morte do Herói Missioneiro os historiadores desafinam. Entretanto, existe no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul um ofício de José de Saldanha, datado de São Luís, 16 de agosto de 1804, a que Aurélio Porto se reporta na citada obra (6), que historia, mais ou menos certa a causa da morte do capitão José Borges do Canto . Mas o documento que nos dá pormenores sobre a morte e nos indica dia e mês, além do ano, está no Archivo General de la Nación, Montevidéo.
Aurélio Pôrto diz:
— "Saira, realmente, Canto com mais cem companheiros índios amigos, com licença do Comandante dr. José de Saldanha, que governava as Missões, para "vaguear" dentro dos limites considerados portuguêses. Transpondo os mesmos, invadira o território além Quaraí . E, por êste motivo, mandava o govêrno, em data de ó de agôsto que, por exorbitar a concessão, fôsse o capitão Canto recolhido prêso ao quartel do Rio Pardo, juntamente "com todos os sujeitos que se achassem como êle compreendidos na queixa dos espanhóis. Ao mesmo tempo mandava-se abrir a respectiva devassa".
Entretanto, já por essa ocasião Borges do Canto estava morto. Aurélio Pôrto, transcrevendo parte do ofício do dr. José de Saldanha, comunicando o acontecido, assim historia a prisão e morte de Borges do Canto:
— "Surpreendidos por uma patrulha de fôrças do comando do ten. cel. espanhol D. Roque Moira, o capitão José Borges do Canto, que estava nas imediações dos Arapeís, foi com seus companheiros prêso, sem poder opôr resistência de qualquer espécie, pelo descuido com que estavam entregues aos trabalhos da vacaria. Cinco dias depois, marchando custodiados pela fôrça, procuraram fugir, à noite, para um pequeno capão, mas foram novamente capturados, com exceção de dois homens que, ocultando-se em ocos de paus, conseguiram atingir São Luis, levando ao governador a notícia dêsses sucessos".
O referido Governador das Missões, Dr. José de Saldanha procurou libertá-los, mas em vão, mesmo por que, quando recebeu a notícia já o "Restaurador das Missões" estava morto. E termina Aurélio Pôrto dizendo que o fato se dera "em princípios de julho de 1804".
A narrativa dos antecedentes, conforme a historia Aurélio Pôrto baseado em Saldanha, está mais ou menos certa. Mais ou menos por que, na realidade, Borges do Canto fora "vaguear", como dizia Saldanha, acompanhado apenas por um grupo de indígenas, alguns portugueses, quatro piás (meninos) e três índias naturais do povo de São Lourenço.
E, pelo menos, o que refere a "parte" do capitão de Blandengues Teodoro Abad. Diz ele, na referida "parte", datada de 29 de junho de 1804, depois de explicar que avistara
"una vaqueria en la costa de uno de los gafos del Cuarén",
que se pusera em ação e que no dia 22 os achara ao amanhecer, encontrando, aí,
"un troso de ganado como de dos mil o tres mil cavezas custodiado por dies y seis portugueses, veinte y un indios cuatro cnicos, y tres indias dos grandes y una chita naturales del pueblo de San Lorenzo, y dos paraguallos que componian 46 por todos, mandados por el capn de auxiliares José de Ocantos".
Vendo-se cercados pelos espanhóis e sem poderem resistir entregaram-se imediatamente. No dia seguinte, 23, Abad se retirou com sua gente e prisioneiros para o acampamento de Arerunga (abreviação que não conseguimos esclarecer mas que deve ser Arerunguá, antigo campo realengo da região e nome de um arroio afluente de um dos afluentes do Quaraí). No dia 26 (de junho de 1804)
"estando acampado en la costa del Cuaró como a las dos de la mafíana haciendo la madrugada demasiado obscura causa de estar el tiempo llubioso me aviso el Cavo interino Bernardo Moreno soldado del Reg. de Dragones hacer fuga quince presos comprendido en este numero el Cap. (a quien traia preso bajo su palabra, de honor) a cuya tiempo uno de los cuatro sentinelas que tenia les tiro un tiro y lastimo a uno en un pié, proseguiendo la demás gente acia ellos".
Entretanto os fugitivos alcançaram um monte ocultando-se em seus matos. Mas Abad enviou, em seguida, a perseguí-los o Ten. Blandengues de Buenos Aires, Don Gabriel Hernandez com 15 homens, e mais o sargento do mesmo corpo, José Bello com igual força, e ainda ao sargento da Colônia Antonio Asebal com 11 homens, cercando, por essa forma, totalmente o monte e o mato.
"al aclarar el dia fueron a salir por el puesto en que se hailava emboscado dicho ten. y reconociendo este que eran los presos les mando que se rindiesen lo que no obedecieron por lo que mandó a su tropa hiciera fuego por elebación a fin de contenerlos pero no siendo suficiente este fuego, seguieron en su comenzada huída”.
Perseguidos, foi um dos fugitivos agarrado e intimado a entregar-se, mas, tentando tomar a arma ao espanhol, foi morto pelas costas quando havia largado o soldado tentando nova fuga.
"Con este exemplo se rindieron les demás a asepcion de tres que no se pudieron encontrar. Luego mandé arreconoser al muerto, y se reconoció ser el referido Capitan".
Com este relato temos, pois, com exatidão, a data da morte de José Borges do Canto: 26 de junho de 1804, numa mata próximo ao rio Cuaró, no Uruguai, onde foi sepultado:
"hice le diesen sepoltura y segui mi marcha para este destino" — Campamento de Arerun. a y Junio 29 de 1804. Teodoro Abad".
(1) — Belisário Pimenta. — A Campanha de 1801, in "Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, vol. XIX, 1950".
(2) — Anais da Capitania de São Pedro, pág. 166 e sgts. da edição do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1946.
(3) — Autor de uma Memória sôbre a Tomada dos Sete Povos, In Missões Orientais e seus Antigos Domínios, por Hemetérlo José Veloso da Silveira, págs. 83 e sgts.
(4) — Ano de 1801, publicado na Revista do Instituto Histórico Brasileiro — 3a. série — N. 11 — 39° trimestre de 1853, pág. 322.
(5) — Livro 39 de Batismos do Rio Pardo (1774-1783), fôlha 12, segundo Aurélio Pôrto, in História das Missões Orientais do Uruguai. Porto Alegre, sld. — Segunda parte, pág. 280, nota 4.
(6) — Pág. 291.
Nesta seção há uma compilação dos principais nomes ligados a Família Silva de alguma forma
José Maria da Silva Paranhos (1845-1912), Barão do Rio Branco
José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), estadista, Patriarca da Independência, advogado e mineralogista
João da Silva Tavares (1792-1872), Barão e Visconde de Cerro Alegre
Bento Gonçalves da Silva (1788-1847), 1° Presidente da República Rio-grandense
Brigadeiro José da Silva Paes (1679-1760), 1° Comandante do Território de São Pedro, fundador de Rio Grande-RS
Ten. Cel. Luís Manoel da Silva Paes, 2° Governador da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul
Paulo José da Silva Gama (1779-1826), 9° Governador da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul e Barão de Bagé
Luís Teles da Silva Caminha Menezes (1775-1828), 3° Capitão-General da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul e Conde de Torouca e Marquês de Alegrete
José Inácio da Silva, Integrante da Primeira Junta Governativa Provisória da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul
Ângelo Moniz da Silva Ferraz (1812-1867), 34° Governador da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e Barão de Uruguaiana
Antônio da Costa Pinto e Silva (1827-1877), 43° Governador da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul
Felisberto Pereira da Silva (1831-1912), 57° Governador da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul
Joaquim da Silva Tavares (1830-1900), 76° Governador da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e Barão de Santa Tecla
Francisco da Silva Tavares (1844-1901), 3° Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Samuel Figueiredo da Silva, 18° Governador do Estado do Rio Grande do Sul (Interventor)
Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880), Duque de Caxias e Governador da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul por várias vezes
João Manuel de Lima e Silva (~1805-1837), militar e revolucionário brasileiro
Francisco de Lima e Silva (1785-1853), militar e político brasileiro
Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1865-1942), 11° Presidente do Brasil
Artur da Silva Bernardes (1875-1955), 12° Presidente do Brasil
Jânio da Silva Quadros (1917-1992), 22° Presidente do Brasil
Artur da Costa e Silva (1889-1969), 27° Presidente do Brasil
Luiz Inácio Lula da Silva (1945), 35° Presidente do Brasil; primeiro mandato de 2003-2006, segundo mandato de 2007-2010 e terceiro mandato a partir de 2023 (atual)
Pelaio Guterre da Silva (~1000-?), o primeiro Silva
Airton Sena da Silva (1960-1994), piloto automobilístico três vezes campeão mundial
João da Silva Machado (1782-1875), Barão de Antonina
Francisco de Paula e Silva (1796-1879), Barão de Ibicuí
Firmino de Paula e Silva (1844-1930), político e militar, caudilho da Região Norte do RS
Manuel Teles da Silva (1641-1709), 1° Marquês de Alegrete e 2° Conde de Vila Maior
Joaquim Thomaz da Silva Prado (1790-1856), militar e pioneiro de Palmeira das Missões-RS
Antônio Moreira da Silva, primeiro morador de Cruz Alta-RS
Cândido Dias da Silva (1880-1917), fundador do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense
Ozires Silva (1931), fundador da Embraer
Francisco Manuel Barroso da Silva (1804-1882), Comandante da Armada, Batalha de Riachuelo
Francisca da Silva de Oliveira (1732-1796), escrava alforriada, Chica da Silva
Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), mais famoso líder cangaceiro, Lampião
Fausto Corrêa da Silva (1950), apresentador da rede Globo
João Corrêa Ferreira da Silva (1863-1928), fundador de Canela-RS
David Silva (1986), jogador de futebol da seleção da Espanha
Everaldo Marques da Silva (1944-1974), jogador de futebol da seleção do Brasil e do Grêmio
Pedro da Silva (~1580-?), alfaiate e primeiro Silva no Brasil
João Gabriel Silva (1957), reitor da Universidade de Coimbra
Bernardo Silva (1994), jogador de futebol da seleção de Portugal
Pompílio Silva (1883-?), fundador do município de Santo Augusto-RS
Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), Tiradentes: dentista, tropeiro, militar e inconfidente
Eggon João da Silva (1929-2015), co-fundador e presidente do Grupo WEG
José Alencar Gomes da Silva (1931-2011), político e empresário fundador da Coteminas
Anderson da Silva (1975), lutador de MMA, defendeu por 10 vezes o cinturão
Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), engenheiro militar e sertanista brasileiro
Eike Fuhrken Batista da Silva (1956), empresário fundador do Grupo EBX
Neymar da Silva Santos Júnior (1992), futebolista brasileiro